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Como são fundamentadas as Decisões de Sindicância e Processo Ético no CRM e CFM

  • Foto do escritor: Ricardo Stival
    Ricardo Stival
  • 7 de mai.
  • 5 min de leitura

As decisões proferidas pelos Conselhos Regionais de Medicina em processos ético-profissionais exercem impacto direto sobre a vida e a reputação de médicos em todo o país.



Por envolverem sanções que variam de advertência até a cassação do exercício profissional, essas decisões devem ser cuidadosamente motivadas, observando rigor técnico, jurídico e ético.


Compreender como os Conselhos Regionais de Medicina analisam cada caso, quais parâmetros são utilizados na fixação das penalidades e quais garantias devem ser respeitadas ao longo do procedimento é essencial para quem é denunciado e consequentemente julgado


Inicialmente, é necessário compreender que as decisões dos Conselhos Regionais de Medicina estão fundamentadas em um conjunto normativo próprio e complementar, composto principalmente pelos seguintes instrumentos:


  • Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018);

  • Código de Processo Ético-Profissional (Resolução CFM nº 2.306/2022);

  • Regimentos internos dos Conselhos de Medicina;

  • Resoluções, pareceres e orientações do Conselho Federal de Medicina (CFM);

  • Princípios constitucionais, como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa e motivação das decisões administrativas.


Inclusive, baseado nessas normativas, após a denúncia recebida, se inicia um procedimento ético específico, conhecido como sindicância que pode ser convertido em processo ético; dentre essas duas modalidades, para apuração de eventual infração ética cometida, é importante diferenciar cada etapa procedimental:


Sindicância – Etapa Inicial de Apuração


A sindicância é a fase preliminar e investigativa. Nela, o Conselho busca apurar a verossimilhança dos fatos narrados na denúncia. O médico é notificado para apresentar uma manifestação por escrito, mas, nesse momento, ainda não há acusação formal, e a penalidade não pode ser aplicada.


O objetivo da sindicância é verificar se há elementos mínimos que justifiquem a instauração de um processo ético. Nessa fase, o conselheiro-sindicante pode requisitar documentos, ouvir envolvidos e sugerir o arquivamento ou o prosseguimento.


As decisões na sindicância sempre devem ser motivadas, especialmente quando o conselheiro indica abertura de processo, tendo em vista que irá apresentar quais serão os artigos do Código de Ética Médica supostamente infringidos. Ainda que não haja julgamento de mérito, a fundamentação deve evidenciar os indícios de infração ao Código de Ética Médica, justificando o avanço para a fase seguinte.


Processo Ético-Profissional – Etapa de Instrução Processual e Julgamento

Quando a sindicância identifica elementos suficientes, é instaurado o processo ético-profissional. Aqui, há acusação formal, citação do médico, prazo para defesa técnica, e realização de audiência de instrução e julgamento dentre outras etapas específicas dentro do trâmite processual no CRM.


No processo ético, em linhas gerais, após o conselheiro instrutor organizar o processo ético, o relator analisa os autos, as provas produzidas e emite um voto fundamentado. A decisão final é tomada por julgamento colegiado no plenário do CRM, respeitando o contraditório e a ampla defesa com possibilidade de sustentação oral. Nesse momento, podem ser aplicadas sanções previstas no artigo 22 da Lei nº 3.268/1957.


É nesta etapa que a fundamentação ganha ainda mais relevância, pois a decisão pode afetar diretamente a habilitação profissional do médico.


A individualização da pena nos processos ético-profissionais não se resume ao enquadramento normativo, pois os Conselhos levam em conta uma série de circunstâncias agravantes e atenuantes, com destaque para os seguintes critérios:


Antecedentes ético-profissionais

O histórico do médico perante o CRM é elemento de grande relevância. Condutas pregressas já punidas agravam a nova infração, ao passo que uma trajetória ética sólida pode atenuar a penalidade.


Reincidência

Quando há condenações anteriores definitivas por infrações semelhantes, o CRM costuma aplicar sanções mais severas, como suspensão ou cassação. A simples existência de outras denúncias não caracteriza reincidência.


Má-fé ou dolo

Casos em que o médico age de forma consciente e intencional, especialmente com falsificação de documentos, omissão deliberada ou cobrança indevida, tendem a gerar penalidades mais rigorosas.


Extensão e proporção da infração

Infrações que afetam múltiplos pacientes ou causam risco coletivo são tratadas com maior gravidade do que condutas isoladas e pontuais. A análise envolve tanto o dano efetivo quanto o potencial de risco.


Atuação individual ou em grupo

Quando há associação entre profissionais para prática da infração, como fraudes institucionais ou abusos em redes hospitalares, a penalidade costuma ser agravada. Já em condutas individuais, a análise é mais restrita à responsabilidade pessoal.


Vínculo com outra atividade profissional ou comercial

Conflitos de interesse decorrentes de atividades paralelas - como vínculo com laboratórios, empresas ou redes de saúde podem configurar infrações éticas, sobretudo se comprometerem a autonomia da conduta médica.


Prática de condutas tipificadas no Código Penal

Quando a infração ética também configura crime (ex: omissão de socorro, lesão corporal, falsidade ideológica), o fato é considerado grave, mesmo que não haja condenação criminal prévia.


Comoção pública e repercussão negativa à classe médica

Casos que ganham ampla visibilidade na mídia e geram abalo à confiança da sociedade na profissão médica são analisados com especial atenção, respeitado o devido processo e o princípio da presunção de inocência.


Sequela, lesão grave ou óbito do paciente

Quando a conduta resulta em danos físicos significativos ou até mesmo óbito, a gravidade da infração se intensifica, exigindo análise técnica do nexo causal e eventual responsabilização ética.


Denúncias recorrentes sobre o mesmo fato

A multiplicidade de denúncias sobre um mesmo episódio pode reforçar a credibilidade do relato, mas o CRM deve filtrar as manifestações para evitar duplicidade e assegurar o direito à defesa plena.


Condenação judicial com trânsito em julgado

Caso o fato já tenha sido objeto de condenação na esfera cível ou penal, o CRM pode considerar essa decisão como elemento de reforço para sua própria conclusão. Ainda assim, a análise ética deve ser autônoma.



Por isso, baseado em inúmeras vertentes, é fundamental compreender como funcionam as decisões baseada no trâmite processual, de modo que o médico não se limite a resumir os fatos em sua defesa e acreditar que com isso será absolvido.


Um procedimento ético dentro do CRM é complexo e sobretudo muito formal, de modo que o médico denunciado precisa compreender a importância do rito processual, que pode comprometer a sua atuação médica.


Ainda, necessário entender que o voto do relator é parte essencial do julgamento, pois resume os fatos, analisa as provas e sugere a penalidade. Esse voto é submetido ao plenário do CRM, que julga de forma colegiada.


Inclusive, a decisão sempre deve ser devidamente motivada, com fundamentação clara. A ausência de justificativas pode comprometer a validade do processo, possibilitando anulação em instâncias superiores — como o Conselho Federal de Medicina ou a Justiça Federal.


Após o julgamento dentro do Conselho Regional de Medicina, como responsabilidade ética imposta aos médicos exige elevado grau de rigor e transparência, é garantido ao profissional o direito de recorrer ao Conselho Federal de Medicina contra as decisões sofridas.


Além disso, como já dito, quando houver nulidades processuais, vícios na condução do julgamento ou violação a princípios constitucionais, é possível buscar a anulação judicial da decisão, por meio de ação própria na Justiça Federal.


Por isso, é essencial que a fundamentação das decisões nos Conselhos de Medicina sejam técnicas, proporcionais e juridicamente consistentes. A simples descrição dos fatos não basta: é preciso examinar provas, aplicar corretamente as normas e ponderar os diversos elementos que influenciam na gravidade da infração.


Para o médico que responde a um processo ético, a assistência técnica especializada pode fazer diferença decisiva no resultado. Já para os Conselhos, fundamentar com clareza é dever institucional e um pilar essencial da legitimidade de suas decisões.

Ricardo Stival é Advogado, Professor de Pós-Graduação de Direito Médico,  Especialista em Ações Judiciais de Erro Médico, Sindicâncias e Processos Éticos no CRM e CRO, com atuação em todo o Brasil
Ricardo Stival - Advogado de Direito Médico

Ricardo Stival - Advogado e Professor de Direito Médico

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