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AÇÃO JUDICIAL CÍVEL DE ERRO MÉDICO

A prática médica contemporânea enfrenta crescentes desafios jurídicos que podem impactar significativamente a carreira e a tranquilidade dos profissionais de saúde. Compreender os aspectos legais que envolvem as ações judiciais cíveis de erro médico é fundamental para qualquer médico que deseja exercer sua profissão com segurança e confiança.

O exercício da medicina no Brasil tem se tornado cada vez mais complexo do ponto de vista jurídico. Os profissionais de saúde enfrentam um ambiente onde a judicialização da medicina é uma realidade crescente, exigindo não apenas excelência técnica, mas também conhecimento sobre os aspectos legais que permeiam a prática médica.

As ações judiciais envolvendo alegações de erro médico podem surgir em diferentes contextos e com variados graus de fundamentação. É essencial que o profissional médico compreenda que nem toda ação judicial possui mérito técnico-científico, e que a defesa adequada requer estratégias específicas para cada situação.

Tipos de Situações Jurídicas Enfrentadas pelos Médicos

Processos Infundados e Defesa Técnica

Existem situações em que processos judiciais são propostos sem fundamentação técnica adequada, colocando o médico na posição de réu em uma ação onde precisará demonstrar, independentemente de qualquer culpa, que sua conduta profissional foi adequada e dentro dos padrões técnicos estabelecidos. Nestes casos, a defesa se baseia na análise minuciosa de prontuários médicos, exames complementares, protocolos seguidos e toda a documentação que comprove a adequação do atendimento prestado.

A perícia judicial assume papel fundamental nestes processos, sendo o momento em que a conduta médica é avaliada por profissionais da mesma área, seguindo critérios técnicos e científicos. A preparação adequada para esta fase processual, incluindo a formulação de quesitos periciais estratégicos, pode ser determinante para o resultado favorável do processo.

Complicações Médicas e Responsabilidade Profissional

A medicina não é uma ciência exata, e mesmo com todos os cuidados técnicos adequados, podem ocorrer complicações ou resultados não esperados. Nestas situações, é comum que pacientes ou familiares busquem responsabilizar o médico, alegando que um tratamento diferente poderia ter evitado o dano ocorrido.

A defesa nestes casos requer demonstração técnica de que não houve qualquer ato caracterizado como imprudência, negligência ou imperícia. É necessário comprovar que todas as condutas adotadas estavam em conformidade com os protocolos médicos estabelecidos, que os riscos foram adequadamente informados ao paciente, e que as decisões tomadas foram baseadas no conhecimento científico disponível no momento do atendimento.

Casos de Alegação Direta de Erro Médico

Existem também situações onde há alegação direta de erro médico, seja por falha no diagnóstico, no tratamento, ou em procedimentos realizados. Nestes casos, a defesa jurídica é construída com base na análise detalhada do desempenho profissional, considerando a especialidade médica envolvida, o nível de complexidade do caso, e todas as circunstâncias que envolveram o atendimento.

A estratégia defensiva leva em conta não apenas os aspectos técnicos, mas também fatores como a urgência do atendimento, os recursos disponíveis no momento, a colaboração do paciente com o tratamento proposto, e outros elementos que possam ter influenciado no resultado obtido.

Estratégia de Defesa Personalizada

Cada processo judicial possui características únicas que exigem abordagem específica e personalizada. A defesa eficaz não se baseia em modelos padronizados, mas na análise minuciosa de cada caso, considerando todos os aspectos médicos, técnicos e jurídicos envolvidos.

Análise Técnica Detalhada

O primeiro passo para uma defesa sólida é a análise técnica completa de todo o caso. Isso inclui a revisão detalhada de prontuários, exames, protocolos seguidos, e toda a documentação médica disponível. Esta análise permite identificar os pontos fortes da defesa e antecipar possíveis questionamentos que possam surgir durante o processo.

A documentação médica adequada é fundamental para a defesa. Prontuários completos, legíveis e que demonstrem o raciocínio clínico seguido pelo médico são elementos essenciais para comprovar a adequação da conduta profissional. Quando a documentação apresenta falhas, é necessário trabalhar com outros elementos probatórios que possam suprir essas lacunas.

Preparação para Perícia Judicial

 

A perícia judicial é frequentemente o momento mais importante do processo, pois é quando a conduta médica é avaliada tecnicamente. A preparação adequada para esta fase inclui a formulação de quesitos periciais estratégicos que direcionem o perito para os aspectos mais favoráveis da defesa.

Os quesitos devem ser elaborados de forma a esclarecer aspectos técnicos específicos do caso, demonstrar a adequação da conduta médica, e contextualizar as decisões tomadas dentro do cenário clínico apresentado. É importante que os quesitos sejam formulados por profissionais com conhecimento tanto jurídico quanto médico, para que sejam tecnicamente precisos e juridicamente relevantes.

Acompanhamento Processual Especializado

O acompanhamento de processos judiciais envolvendo médicos requer conhecimento específico tanto da área jurídica quanto da área médica. É fundamental que o profissional responsável pela defesa compreenda os aspectos técnicos da medicina para poder argumentar adequadamente sobre a conduta profissional questionada.

Fases do Processo e Estratégias Específicas

Fase Inicial - Contestação e Defesa Prévia

A contestação é o primeiro momento de defesa no processo, onde são apresentados os argumentos iniciais que demonstram a inadequação da pretensão do autor. Nesta fase, é importante apresentar uma defesa técnica sólida, baseada em argumentos médicos e jurídicos que demonstrem a ausência de responsabilidade do profissional.

A defesa prévia deve abordar não apenas os aspectos técnicos da conduta médica, mas também questões processuais que possam beneficiar o réu, como prescrição, falta de nexo causal, ou ausência de elementos caracterizadores da responsabilidade civil.

Fase Probatória - Produção de Provas

A fase probatória é crucial para o sucesso da defesa. Neste momento, são produzidas as provas que irão demonstrar a adequação da conduta médica e a ausência de responsabilidade. Isso inclui a juntada de documentos médicos, a oitiva de testemunhas, e principalmente a realização da perícia judicial.

A estratégia probatória deve ser cuidadosamente planejada, identificando quais provas são mais relevantes para o caso e como elas devem ser apresentadas para causar maior impacto positivo na defesa. É importante também antecipar as provas que serão produzidas pela parte contrária e preparar contra-argumentos adequados.

Fase Recursal - Proteção dos Direitos em Instâncias Superiores

Quando necessário, a defesa continua nas instâncias superiores através da interposição de recursos. Esta fase requer conhecimento específico sobre os aspectos processuais dos tribunais superiores e a capacidade de identificar os fundamentos mais sólidos para sustentar a reforma da decisão desfavorável.

Os recursos devem ser fundamentados tanto em aspectos jurídicos quanto técnicos, demonstrando eventuais equívocos na análise da prova pericial ou na aplicação do direito ao caso concreto. A sustentação oral, quando cabível, é uma oportunidade adicional para reforçar os argumentos da defesa diretamente aos julgadores.

Aspectos Específicos da Responsabilidade Civil Médica

A responsabilidade civil médica possui características específicas que a diferenciam de outras áreas do direito. Compreender esses aspectos é fundamental para uma defesa eficaz.

Natureza da Obrigação Médica

A obrigação médica é, em regra, de meio e não de resultado. Isso significa que o médico se compromete a empregar todos os meios adequados e disponíveis para o tratamento do paciente, mas não pode garantir um resultado específico. Esta característica é fundamental para a defesa, pois demonstra que a ausência de cura ou a ocorrência de complicações não configuram, por si só, erro médico.

Existem algumas especialidades ou procedimentos onde a jurisprudência tem entendido pela obrigação de resultado, como cirurgias estéticas embelezadoras. Nestes casos, a estratégia de defesa deve ser adaptada para demonstrar que, mesmo sendo obrigação de resultado, ocorreram circunstâncias excepcionais que justificam o resultado não alcançado.

Elementos da Responsabilidade Civil

Para que haja condenação por erro médico, é necessário que estejam presentes todos os elementos da responsabilidade civil: conduta (ação ou omissão), dano, nexo causal e culpa. A defesa deve focar na ausência de qualquer um destes elementos.

A análise da conduta médica deve considerar o estado da arte da medicina no momento do atendimento, os recursos disponíveis, a urgência da situação, e outros fatores que possam ter influenciado nas decisões tomadas. É importante demonstrar que a conduta seguiu os protocolos médicos estabelecidos e as melhores práticas da especialidade.

O nexo causal é frequentemente um ponto controverso, especialmente em casos onde o paciente já apresentava condições de saúde complexas. A defesa deve demonstrar que o dano alegado não decorreu da conduta médica, mas de outros fatores, como a evolução natural da doença, comorbidades preexistentes, ou fatores externos ao tratamento.

Documentação e Prevenção

Embora o foco seja a defesa em processos judiciais, é importante orientar os médicos sobre a importância da documentação adequada como forma de prevenção e facilitação da defesa em eventuais processos futuros.

Prontuário Médico como Instrumento de Defesa

O prontuário médico é o principal documento de defesa do médico em um processo judicial. Um prontuário bem elaborado, completo e legível pode ser determinante para o sucesso da defesa. É importante que contenha não apenas os dados objetivos do atendimento, mas também o raciocínio clínico seguido pelo médico, as alternativas consideradas, e os motivos das decisões tomadas.

A evolução médica deve ser detalhada, demonstrando o acompanhamento contínuo do paciente e as adaptações no tratamento conforme a evolução do quadro clínico. Intercorrências devem ser adequadamente registradas, assim como as medidas tomadas para solucioná-las.

Termo de Consentimento Informado

O termo de consentimento informado é outro documento fundamental para a defesa. Deve ser elaborado de forma clara e compreensível, informando ao paciente sobre os riscos do procedimento, as alternativas de tratamento, e os cuidados pós-procedimento. Um termo bem elaborado demonstra que o paciente foi adequadamente informado e concordou com o tratamento proposto.

É importante que o termo seja adaptado para cada tipo de procedimento e que seja efetivamente explicado ao paciente, não sendo apenas um documento para assinatura. A explicação deve ser registrada no prontuário, demonstrando que houve efetiva comunicação entre médico e paciente.

Serviços de Acompanhamento Jurídico Especializado

O acompanhamento jurídico especializado em casos de erro médico envolve uma série de atividades específicas que requerem conhecimento técnico tanto da área jurídica quanto médica.

 

Representação em Ações Indenizatórias

A representação em ações indenizatórias vai além da simples defesa processual. Envolve a análise técnica completa do caso, a identificação das melhores estratégias de defesa, e o acompanhamento de todas as fases processuais com foco no melhor resultado para o médico.

Esta representação inclui não apenas a defesa técnica, mas também o suporte emocional ao profissional, que frequentemente se encontra em situação de estresse e ansiedade devido ao processo judicial. É importante que o médico se sinta seguro e confiante na defesa que está sendo realizada.

Elaboração de Petições Técnicas

As petições em processos de erro médico devem combinar conhecimento jurídico e médico. Não basta conhecer os aspectos processuais; é fundamental compreender os aspectos técnicos da medicina para poder argumentar adequadamente sobre a conduta profissional.

Cada petição deve ser cuidadosamente elaborada, considerando não apenas os aspectos jurídicos, mas também a forma como os argumentos médicos serão apresentados e compreendidos pelo julgador. A linguagem deve ser técnica quando necessário, mas sempre acessível para profissionais do direito que podem não ter conhecimento médico específico.

Quesitos Periciais Estratégicos

A formulação de quesitos periciais é uma das atividades mais importantes na defesa de processos de erro médico. Os quesitos devem ser estrategicamente elaborados para direcionar o perito para os aspectos mais favoráveis da defesa, sempre dentro dos limites éticos e legais.

Os quesitos devem abordar aspectos técnicos específicos do caso, questionar a adequação da conduta médica dentro do contexto apresentado, e buscar esclarecer pontos que possam gerar dúvidas sobre a responsabilidade do profissional. É importante que sejam formulados por profissionais com experiência tanto em perícias médicas quanto em processos judiciais.

Manifestações Processuais Especializadas

Todas as manifestações processuais devem ser elaboradas com foco na defesa técnica do médico. Isso inclui impugnações a laudos periciais desfavoráveis, contestações a alegações da parte contrária, e manifestações sobre provas produzidas no processo.

Cada manifestação deve ser tecnicamente fundamentada, apresentando argumentos médicos sólidos que demonstrem a adequação da conduta profissional. É importante que sejam elaboradas por profissionais que compreendam tanto os aspectos jurídicos quanto os aspectos médicos envolvidos.

Acompanhamento em Audiências

As audiências em processos de erro médico frequentemente envolvem depoimentos técnicos e discussões sobre aspectos médicos específicos. O acompanhamento adequado requer preparação prévia do médico para o depoimento, orientação sobre como responder às perguntas de forma técnica e adequada, e suporte durante toda a audiência.

É importante que o médico se sinta preparado e confiante para prestar seu depoimento, compreendendo que este é um momento importante para esclarecer aspectos técnicos do caso e demonstrar a adequação de sua conduta profissional.

Recursos e Instâncias Superiores

Quando necessário, a defesa continua nas instâncias superiores através da interposição de recursos adequados. Esta fase requer conhecimento específico sobre os procedimentos dos tribunais superiores e a capacidade de identificar os fundamentos mais sólidos para a reforma da decisão.

Os recursos devem ser fundamentados em aspectos tanto jurídicos quanto técnicos, demonstrando eventuais equívocos na análise da prova ou na aplicação do direito. A sustentação oral, quando cabível, é uma oportunidade para reforçar os argumentos da defesa diretamente aos julgadores.

A defesa em ações judiciais de erro médico requer abordagem especializada que combine conhecimento jurídico e médico. Cada caso possui características únicas que exigem estratégia específica, sempre com foco na demonstração da adequação da conduta profissional e na proteção dos direitos do médico.

O acompanhamento adequado desde o início do processo, a preparação técnica para todas as fases processuais, e a formulação de estratégias defensivas sólidas são fundamentais para o sucesso da defesa. É importante que o médico se sinta seguro e confiante, sabendo que sua defesa está sendo conduzida por profissionais com conhecimento específico na área.

A prevenção através da documentação adequada e do seguimento de protocolos médicos estabelecidos também é fundamental, mas quando o processo judicial é inevitável, a defesa especializada pode fazer toda a diferença no resultado final.

Ricardo Stival é Advogado, Professor de Pós-Graduação de Direito Médico,  Especialista em Ações Judiciais de Erro Médico, Sindicâncias e Processos Éticos no CRM e CRO, com atuação em todo o Brasil
Ricardo Stival - Direito Médico

Ricardo Stival - Advogado e Professor de Direito Médico

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