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Interdição Cautelar pelo CRM: O que fazer?

  • Foto do escritor: Ricardo Stival
    Ricardo Stival
  • 15 de jun.
  • 7 min de leitura

No universo da medicina, a confiança é um pilar fundamental. Pacientes depositam sua saúde e bem-estar nas mãos dos profissionais, e a sociedade espera que a prática médica seja pautada pela ética, competência e segurança.



Para salvaguardar esses valores, os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) atuam como órgãos reguladores, zelando pela boa conduta e pela qualidade dos serviços prestados. Entre as medidas que podem ser adotadas para proteger a população, destaca-se a interdição cautelar do exercício profissional do médico. Mas, afinal, como funciona esse processo? Quais são os seus fundamentos e implicações? Este artigo busca desmistificar a interdição cautelar, explicando de forma clara e objetiva cada etapa desse procedimento.


O que é a Interdição Cautelar Médica?


A interdição cautelar é uma medida de natureza administrativa e preventiva, não punitiva, que visa suspender temporariamente o exercício da medicina por um profissional. Ela é aplicada quando há indícios de que a atuação do médico está causando ou pode causar dano iminente e irreparável à saúde dos pacientes ou à coletividade. É importante ressaltar que essa medida não se confunde com uma penalidade disciplinar; seu objetivo principal é proteger a sociedade enquanto o processo ético-profissional (PEP) segue seu curso. A interdição pode ser total, impedindo completamente o médico de exercer a profissão, ou parcial, restringindo sua atuação a determinadas áreas ou procedimentos.


Quando e Por Que a Interdição Cautelar é Aplicada?


A interdição cautelar é uma medida excepcional, acionada em situações de urgência e risco. Ela pode ser aplicada desde a instauração de um Processo Ético-Profissional (PEP) ou mesmo durante sua instrução, caso surjam fatos novos que justifiquem a medida. No entanto, é vedada sua aplicação na sessão de julgamento do PEP, pois sua natureza é preventiva, e não de condenação.


Os principais motivos que levam à aplicação da interdição cautelar estão relacionados a condutas do médico que:


· Estejam notoriamente prejudicando pacientes ou a população, ou na iminência de fazê-lo.


· Representem risco iminente de dano irreparável ou de difícil reparação à saúde pública.


· Comprometam o prestígio e o bom conceito da profissão médica.


É fundamental que existam elementos de prova que evidenciem a probabilidade da autoria e da materialidade da prática danosa. Não bastam meros indícios; a conduta lesiva precisa estar razoavelmente demonstrada, de forma a garantir a verossimilhança da acusação.


O Processo de Interdição Cautelar: Etapas e Requisitos


O processo de interdição cautelar segue um rito específico, que busca equilibrar a necessidade de proteção da sociedade com o direito de defesa do médico. As etapas e requisitos essenciais são:


Instauração e Análise Preliminar

Ao tomar conhecimento de indícios de infrações éticas, o CRM instaura uma sindicância, que é uma fase investigatória. Se, após essa fase, houver elementos que justifiquem a medida, o pleno do Conselho Regional de Medicina é convocado para uma sessão específica.


Notificação e Direito de Defesa

O médico que poderá ser interditado deve ser notificado com, no mínimo, 72 horas de antecedência da sessão plenária do CRM. É facultada a sua presença ou de seu representante legal (advogado) para realizar sustentação oral, com duração de até 10 minutos com acréscimo de outros 5 minutos após discussão entre os conselheiros para alegações finais. Embora o contraditório seja diferido (ou seja, a defesa plena ocorre posteriormente no PEP), essa notificação prévia garante um mínimo de manifestação ao profissional.


Decisão do CRM

A decisão de interdição cautelar é tomada pelo pleno do CRM, por maioria simples de votos, em sessão presencial ou por ambiente eletrônico. É exigido um quórum mínimo de 11 e máximo de 24 conselheiros. A decisão deve ser fundamentada, indicando de forma clara e precisa as razões do convencimento do colegiado e a correlação entre as condutas apuradas e as infrações.


Referendo do CFM

Para que a interdição cautelar seja efetivada, ela depende de um referendo obrigatório do Conselho Federal de Medicina (CFM). O CFM avaliará a legitimidade da decisão, o preenchimento dos requisitos mínimos e a pertinência da medida. Essa etapa garante uma segunda análise e uniformidade nas decisões em nível nacional.


Requisitos de Validade Essenciais

Para que a interdição cautelar seja considerada válida, alguns requisitos são imprescindíveis:


· Prova da probabilidade da autoria e da materialidade: Não bastam indícios; é necessária a demonstração razoável da conduta lesiva e de sua autoria.


· Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação: O risco deve ser tanto para o paciente/população quanto para o prestígio da profissão. Ambos os aspectos devem estar presentes.


· Contemporaneidade dos fatos: Os fatos que motivam a interdição devem ser atuais, não podendo exceder seis meses a partir do conhecimento do CRM.


· Decisão fundamentada: A decisão deve ser explícita, detalhada e justificada, evitando generalizações.


· Referendo do CFM: A validação pelo Conselho Federal é indispensável.


Efeitos e Abrangência da Interdição Cautelar


Uma vez validada pelo CFM, a interdição cautelar tem abrangência nacional. Isso significa que o médico fica impedido de exercer a medicina em todo o território brasileiro. As consequências imediatas incluem:


· Comunicação: A decisão é comunicada aos estabelecimentos de saúde onde o médico atua e à vigilância sanitária.


· Retenção da Carteira Profissional: O médico é notificado a apresentar sua carteira profissional e cédula de identidade profissional no CRM de sua inscrição. Em caso de não cumprimento, pode haver busca e apreensão judicial.


· Publicidade: A informação da interdição é lançada no cadastro do médico e pode ser publicada no Diário Oficial da União e nos sites dos CRMs e do CFM, visando a transparência e a proteção pública.


Prazos, Recursos e Impactos no Processo Ético: Detalhes Cruciais


O Processo Ético-Profissional (PEP) no qual a interdição cautelar foi decretada ganha tramitação prioritária. Ele deve ser julgado em um prazo máximo de seis meses, que pode ser prorrogado por igual período (totalizando 12 meses), em casos excepcionais e com justificativa. Essa prorrogação visa dar tempo suficiente para aprofundar as investigações e diligências necessárias para a decisão final, sem que a sociedade fique desprotegida.


É crucial entender que a interdição cautelar, por ser uma medida provisória, não significa uma condenação definitiva. Ela é uma salvaguarda para a sociedade enquanto o mérito da questão é apurado no PEP. O médico tem o direito de recorrer da decisão de interdição cautelar. O recurso inicial é apresentado ao próprio CRM que proferiu a decisão. Posteriormente, a matéria é submetida ao CFM para o referendo obrigatório. É no CFM que a decisão será analisada em segunda instância administrativa, garantindo uma revisão da pertinência e legalidade da medida. Essa é uma etapa fundamental para assegurar a ampla defesa e o contraditório, mesmo que de forma diferida.


As chances de reverter uma interdição cautelar dependem diretamente da solidez das provas apresentadas pela defesa e da capacidade de demonstrar que os requisitos para a medida não estão mais presentes ou nunca estiveram. Por exemplo, se for comprovado que o risco iminente não existe, que os fatos não são contemporâneos ou que a fundamentação da decisão é falha, a interdição pode ser revogada. A punição, se houver, só será mantida após o julgamento final do Processo Ético-Profissional, que é o momento em que a culpa ou inocência do médico é de fato estabelecida, com todas as garantias do devido processo legal.


A interdição cautelar, embora provisória, tem um impacto significativo no julgamento final do processo ético. A existência de uma interdição cautelar pode, em alguns casos, influenciar a percepção do conselho julgador, mesmo que a medida não seja uma penalidade. Por isso, a defesa do médico deve ser robusta e atuar em todas as fases do processo, desde a sindicância até o julgamento final do PEP, buscando sempre a melhor estratégia para cada etapa.


Em situações extremas, quando todas as vias administrativas são esgotadas e o médico entende que houve ilegalidade ou abuso na aplicação da interdição cautelar, é possível buscar a via judicial para tentar anular a medida. Essa é uma decisão que deve ser tomada com extrema cautela e com base em uma análise jurídica aprofundada do caso concreto, considerando os riscos e benefícios de uma ação judicial.


Resumo sobre o Processo de Interdição Cautelar Médica:

Etapa/Aspecto

Descrição

O que é?

Medida administrativa preventiva, não punitiva, para suspender temporariamente o exercício da medicina.

Objetivo Principal

Proteger a sociedade de danos iminentes enquanto o Processo Ético-Profissional (PEP) está em andamento.

Quem Aplica?

Conselho Regional de Medicina (CRM), com referendo obrigatório do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Motivos Comuns

Risco de dano irreparável a pacientes/população, comprometimento do prestígio da profissão.

Requisitos Chave

Prova de probabilidade de autoria/materialidade, fundado receio de dano, contemporaneidade dos fatos, decisão fundamentada, referendo do CFM.

Notificação ao Médico

Mínimo de 72 horas antes da sessão plenária do CRM.

Direito de Defesa (Cautelar)

Sustentação oral na sessão do CRM (contraditório pleno ocorre no PEP).

Duração da Interdição

Até o julgamento do PEP (máximo de 6 meses, prorrogável por mais 6 meses).

Abrangência

Nacional, após referendo do CFM.

Efeitos Imediatos

Comunicação a hospitais/vigilância, retenção da carteira profissional, publicidade da decisão.

Revogação/Modificação

Pode ocorrer a qualquer tempo pelo CRM ou CFM, se surgirem novos fatos.

Base Legal Principal

Resoluções do CFM (ex: Resolução nº 2.145/2016, Resolução nº 1.947/2010).

A Importância da Compreensão e da Ação


A interdição cautelar de médico pelo CRM é um instrumento sério e necessário para a proteção da saúde pública e a manutenção da ética na medicina. Embora seja uma medida gravosa para o profissional, sua aplicação é pautada pela urgência e pela necessidade de evitar danos maiores à sociedade. Compreender como esse processo funciona, seus requisitos e implicações, é fundamental para todos os envolvidos, garantindo a transparência e a justiça em um campo tão vital como a saúde.


Para o médico que se vê diante de uma situação como essa, é natural que surjam muitas dúvidas e preocupações. O conhecimento aprofundado sobre cada etapa do processo, os direitos garantidos e as possibilidades de defesa é o primeiro passo para enfrentar o desafio com segurança e clareza. Lembre-se que cada caso é único e exige uma análise detalhada das particularidades envolvidas.


A busca por informações precisas e o entendimento do rito processual são essenciais para navegar por esse momento com a devida serenidade e estratégia. Em momentos de incerteza, a informação é a sua maior aliada. Estar bem informado sobre os seus direitos e os caminhos possíveis é o que permite tomar as decisões mais acertadas para a sua carreira e reputação. Não subestime a complexidade desses processos; a preparação e o conhecimento são a chave para a tranquilidade.

Ricardo Stival é Advogado, Professor de Pós-Graduação de Direito Médico,  Especialista em Ações Judiciais de Erro Médico, Sindicâncias e Processos Éticos no CRM e CRO, com atuação em todo o Brasil
Ricardo Stival - Advogado de Direito Médico

Ricardo Stival - Advogado e Professor de Direito Médico

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