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Fui Denunciado por Atendimento no Pronto-Socorro, e Agora?

  • Foto do escritor: Ricardo Stival
    Ricardo Stival
  • 15 de jun.
  • 21 min de leitura

O ambiente de pronto-socorro (PS), Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e emergência hospitalar é, por sua natureza, um palco de alta complexidade e pressão. A cada dia, médicos e equipes de saúde enfrentam um fluxo contínuo de pacientes com as mais diversas condições, muitas vezes em situações de urgência e emergência que exigem decisões rápidas e precisas. No entanto, nos últimos anos, tem-se observado um aumento significativo no número de denúncias por suposto atendimento deficiente, um fenômeno que gera apreensão e insegurança entre os profissionais da linha de frente.


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É fundamental compreender que muitas dessas denúncias não decorrem necessariamente de erros técnicos ou negligência médica. Frequentemente, elas emergem de percepções subjetivas dos pacientes e de seus familiares, que, em momentos de vulnerabilidade e ansiedade, podem interpretar a dinâmica do atendimento de forma distorcida. Fatores como a sobrecarga dos serviços de saúde, a escassez de recursos humanos e materiais, e, crucialmente, falhas na comunicação entre a equipe médica e os pacientes, contribuem para a formação de um cenário propício a mal-entendidos e insatisfações que podem escalar para denúncias formais. Este artigo visa oferecer um guia prático e estratégico para médicos que atuam nesses ambientes, abordando as causas mais comuns das denúncias, os riscos envolvidos e as melhores estratégias de proteção e defesa, tanto preventivas quanto reativas.


Demandas Mais Comuns

As denúncias contra médicos podem se manifestar em diversas esferas, cada uma com suas particularidades e implicações. Compreender onde e como essas demandas surgem é o primeiro passo para uma defesa eficaz. As principais esferas são a ética, a cível e a criminal, além dos processos administrativos internos (PAD).


No Conselho Regional de Medicina (CRM)

No âmbito dos Conselhos Regionais de Medicina (CRM), as denúncias frequentemente se relacionam com a percepção de falhas na conduta profissional e na relação médico-paciente. As queixas mais comuns incluem:


• Suposta omissão de socorro ou atendimento: Embora o médico tenha o dever ético e legal de prestar assistência, muitas denúncias surgem da percepção de que o atendimento foi demorado, insuficiente ou que houve recusa injustificada, mesmo em situações onde a triagem ou a priorização de casos foi realizada conforme protocolo. Por exemplo, um paciente que aguarda por horas em um PS lotado pode sentir que houve omissão, mesmo que seu caso não fosse de emergência iminente.


• Falta de escuta e desumanização: Pacientes e familiares buscam acolhimento e atenção. A percepção de que o médico não ouviu suas queixas, foi ríspido, ou não demonstrou empatia pode gerar denúncias por desumanização do atendimento. Em um ambiente de alta demanda, a comunicação pode ser abreviada, mas a falta de uma escuta ativa e de um mínimo de acolhimento pode ser interpretada como descaso.


• Quebra de sigilo médico: Embora menos comum em PS, denúncias relacionadas à divulgação indevida de informações do paciente podem ocorrer, especialmente em ambientes onde a privacidade é comprometida pela estrutura física ou pela falta de atenção da equipe.


• Publicidade médica irregular: Embora não diretamente ligada ao atendimento em PS, é uma área de fiscalização do CRM que pode gerar denúncias se o médico, por exemplo, divulgar informações sensacionalistas ou prometer resultados garantidos.


Na Justiça: Esferas Cível e Criminal

As demandas judiciais são mais graves e podem acarretar consequências financeiras e até mesmo a privação de liberdade. Elas se dividem principalmente em cível e criminal:


Esfera Cível


Na esfera cível, as ações geralmente buscam a reparação de danos, principalmente por meio de indenizações. As mais frequentes são:


• Pedidos de indenização por danos morais: Ocorrem quando o paciente ou seus familiares alegam ter sofrido abalo psicológico, humilhação ou constrangimento devido a um suposto atendimento deficiente. Por exemplo, um paciente que se sentiu maltratado ou desrespeitado pode pleitear indenização por danos morais, mesmo sem ter sofrido dano físico direto.


• Pedidos de indenização por danos materiais: Relacionam-se a prejuízos financeiros diretos decorrentes do suposto erro médico, como gastos com novos tratamentos, medicamentos ou perda de renda devido à incapacidade temporária ou permanente.


• Pedidos de indenização por danos estéticos: Quando o suposto erro resulta em deformidade ou alteração estética permanente no paciente.


Esfera Criminal


Na esfera criminal, o médico pode ser acusado de crimes previstos no Código Penal. As acusações mais comuns em ambiente de PS incluem:


• Lesão corporal: Quando o atendimento médico resulta em dano à integridade física ou à saúde do paciente. Pode ser culposa (sem intenção, por imprudência, negligência ou imperícia) ou dolosa (com intenção, o que é raro em PS).


• Omissão de socorro (Art. 135 do Código Penal): Embora o médico tenha o dever de agir, a denúncia pode surgir da percepção de que houve recusa ou demora injustificada no atendimento de uma pessoa em perigo, mesmo que o médico estivesse atendendo outro paciente ou que a situação não fosse de risco iminente. É crucial diferenciar a omissão de socorro da priorização de casos em um ambiente de emergência.


• Abandono de incapaz (Art. 133 do Código Penal): Quando o médico abandona pessoa que está sob seus cuidados, e que não tem capacidade de se defender dos riscos resultantes do abandono. Isso pode ocorrer, por exemplo, se um médico deixa um paciente em estado grave sem a devida supervisão ou transferência adequada.


• Homicídio culposo: Em casos extremos, quando a conduta médica, por negligência, imprudência ou imperícia, resulta na morte do paciente. Um exemplo seria a falha em diagnosticar e tratar uma condição grave que, se tratada a tempo, não levaria ao óbito.


Processo Administrativo Disciplinar (PAD)

Além das esferas ética e judicial, o médico que atua em instituições públicas ou privadas pode ser alvo de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) interno. Este processo é conduzido pela própria instituição (hospital, UPA, etc.) e visa apurar a conduta do profissional em relação às normas internas, regulamentos e políticas da organização. As consequências de um PAD podem variar desde uma advertência, suspensão, até a demissão por justa causa. O PAD pode ser instaurado por denúncias de pacientes, familiares, ou até mesmo por colegas de trabalho e superiores. A importância de um PAD reside no fato de que ele pode ocorrer independentemente de processos no CRM ou na justiça, e suas conclusões podem influenciar as outras esferas.


Fatores de Risco Frequentes

O ambiente de pronto-socorro é inerentemente complexo e, por vezes, caótico. Diversos fatores podem aumentar a vulnerabilidade do médico a denúncias, mesmo quando sua intenção é a melhor possível.


Reconhecer esses fatores de risco é crucial para implementar medidas preventivas eficazes.


• Troca de plantão mal feita (sem registro, perda de informação): A transição de cuidados é um momento crítico. A ausência de um registro formal e detalhado da passagem de plantão, a falta de um checklist ou a comunicação incompleta entre os médicos podem levar à perda de informações cruciais sobre o paciente, seu histórico, exames realizados e condutas adotadas. Isso pode resultar em falhas no acompanhamento, atrasos no diagnóstico ou tratamento inadequado, servindo como base para futuras denúncias.


• Falha de comunicação entre colegas: Além da passagem de plantão, a comunicação ineficaz entre os membros da equipe (médicos, enfermeiros, técnicos) durante o turno pode comprometer a segurança do paciente. Informações mal interpretadas, não transmitidas ou esquecidas podem levar a erros na medicação, procedimentos ou no plano terapêutico geral. A falta de um sistema claro para comunicação de intercorrências ou dúvidas também é um risco.


• Escassez de materiais e pessoal: A infraestrutura precária, a falta de equipamentos essenciais, a indisponibilidade de leitos ou a insuficiência de profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, maqueiros) são fatores que impactam diretamente a qualidade e a agilidade do atendimento. Embora o médico não seja o responsável direto por essas deficiências estruturais, ele pode ser responsabilizado pelas consequências de um atendimento comprometido por essas limitações. É fundamental registrar essas carências no prontuário ou em relatórios internos.


• Prontuários incompletos ou genéricos: O prontuário médico é o principal documento de defesa do profissional. Registros superficiais, ilegíveis, com informações ausentes ou genéricas (ex: "paciente estável") não refletem a complexidade do atendimento e dificultam a reconstituição dos fatos em caso de denúncia. A falta de horários precisos, justificativas para condutas, resultados de exames e evolução clínica detalhada é um convite a problemas.


• Falta de registro sobre recusa de atendimento, negativa de exames, limitações estruturais: É comum que pacientes ou familiares recusem procedimentos, exames ou até mesmo o próprio atendimento. Da mesma forma, o médico pode se deparar com limitações estruturais (ex: falta de vaga em UTI, indisponibilidade de especialista). A ausência de registro claro e detalhado dessas recusas ou limitações no prontuário pode ser interpretada como omissão ou negligência do médico. O registro deve incluir a data, hora, quem recusou, o que foi recusado e a orientação dada.


• Ambiente hostil e pressão por resultados rápidos: A pressão por alta rotatividade de pacientes, a superlotação, a agressividade de pacientes ou acompanhantes, e a falta de um ambiente de trabalho colaborativo e de apoio podem levar ao estresse e à fadiga do médico, aumentando a probabilidade de erros e falhas na comunicação. Um ambiente de trabalho tóxico pode minar a capacidade do profissional de manter a calma e a clareza necessárias para um atendimento seguro.


• Uso inadequado de redes sociais e mídias: Embora não seja um fator de risco direto no atendimento, o uso irresponsável de redes sociais por parte do médico, com postagens que violem o sigilo profissional, exponham pacientes ou denigram a profissão, pode gerar denúncias éticas e até mesmo criminais. A linha entre o pessoal e o profissional é tênue e exige cautela.


• Desconhecimento de protocolos e diretrizes: A não observância de protocolos clínicos e diretrizes institucionais pode ser vista como imprudência ou imperícia. Mesmo em situações de emergência, onde a adaptação é necessária, o médico deve estar ciente dos protocolos e justificar qualquer desvio, registrando-o no prontuário.


Riscos Envolvidos

As denúncias por suposto atendimento deficiente em pronto-socorro não são meros aborrecimentos; elas carregam consigo uma série de riscos e consequências que podem impactar profundamente a carreira e a vida pessoal do médico. É fundamental que o profissional tenha clareza sobre esses riscos para dimensionar a importância das medidas preventivas e reativas.


Riscos Éticos

No âmbito dos Conselhos Regionais de Medicina (CRM), as sanções éticas são aplicadas após um processo administrativo disciplinar que apura a conduta do médico em relação ao Código de Ética Médica. As penalidades podem variar em gravidade:


• Advertência Confidencial: É a penalidade mais branda, aplicada em casos de infrações leves. O registro da advertência é confidencial e não é divulgado publicamente.


• Censura Confidencial: Mais grave que a advertência, também é confidencial, mas implica em um reconhecimento formal de que o médico agiu de forma inadequada.


• Censura Pública em Publicação Oficial: A penalidade é divulgada em publicações oficiais do CRM, como o Diário Oficial, o que pode gerar um impacto negativo na reputação do médico.


• Suspensão do Exercício Profissional por até 30 dias: O médico fica impedido de exercer a medicina por um período determinado, o que acarreta prejuízos financeiros e profissionais significativos. A suspensão é divulgada publicamente.


• Cassação do Exercício Profissional (Perda do CRM): É a penalidade máxima, aplicada em casos de infrações gravíssimas. O médico perde definitivamente o direito de exercer a medicina, o que representa o fim de sua carreira. A cassação é divulgada publicamente.


Além das penalidades formais, o processo ético em si já é desgastante, exigindo tempo, recursos e gerando ansiedade e estresse para o profissional.


Riscos Cíveis

Na esfera cível, o principal risco é a condenação ao pagamento de indenizações por danos causados ao paciente. Essas indenizações podem ser de diferentes naturezas:


• Dano Moral: Visa compensar o sofrimento psicológico, a dor, a humilhação ou o constrangimento que o paciente ou seus familiares alegam ter sofrido em decorrência do suposto atendimento deficiente. Os valores podem ser elevados, dependendo da gravidade do dano e da interpretação judicial.


• Dano Material: Refere-se aos prejuízos financeiros diretos, como despesas com novos tratamentos, medicamentos, terapias, perda de renda devido à incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, ou até mesmo lucros cessantes (o que o paciente deixou de ganhar em função do dano).


• Dano Estético: Busca compensar alterações permanentes na aparência física do paciente, como cicatrizes, deformidades ou outras sequelas que afetem sua imagem corporal.


As ações cíveis podem se arrastar por anos, gerando custos com advogados, perícias e honorários, além do impacto financeiro de uma eventual condenação.


Riscos Criminais

Embora menos frequentes, as denúncias criminais são as mais graves, pois podem resultar em restrição da liberdade do médico. Os riscos incluem:


• Denúncias por Omissão de Socorro: Se for comprovado que o médico, sem justa causa, deixou de prestar assistência a uma pessoa em perigo, podendo fazê-lo, pode ser condenado a detenção ou multa. A interpretação do que configura "justa causa" é crucial nesse contexto.


• Denúncias por Lesão Corporal: Se a conduta do médico, por negligência, imprudência ou imperícia, resultar em lesão corporal no paciente, ele pode ser processado criminalmente. A pena varia conforme a gravidade da lesão (leve, grave, gravíssima).


• Denúncias por Homicídio Culposo: Em casos extremos, se a conduta médica, por culpa (negligência, imprudência ou imperícia), for a causa da morte do paciente, o médico pode ser acusado de homicídio culposo, com pena de detenção.


Um processo criminal, mesmo que resulte em absolvição, é extremamente desgastante, gerando grande abalo emocional e financeiro, além de um estigma social.


Processo Administrativo Disciplinar (PAD) Interno

Além das esferas externas, o médico pode enfrentar um PAD dentro da própria instituição onde trabalha. As consequências de um PAD podem ser:


• Advertência: Registro formal de uma conduta inadequada, sem maiores implicações imediatas.


• Suspensão: Afastamento temporário das atividades, com perda de remuneração.


• Demissão por Justa Causa: Rescisão do contrato de trabalho devido a uma falta grave, o que pode dificultar a recolocação profissional.


• Perda de Cargo ou Função: Em instituições públicas, pode haver a perda do cargo ou função pública.


As conclusões de um PAD, mesmo que internas, podem ser utilizadas como prova em processos éticos, cíveis ou criminais, aumentando a complexidade da defesa do médico.


Medidas Preventivas Importantes


A melhor defesa contra denúncias é a prevenção. No ambiente de pronto-socorro, onde a dinâmica é intensa e os riscos são elevados, a adoção de práticas preventivas robustas é fundamental para proteger o médico e garantir a segurança do paciente. As medidas a seguir devem ser incorporadas à rotina diária do profissional.


• Prontuário Bem Preenchido, com Horários, Justificativas e Evolução Clara: O prontuário médico é a principal ferramenta de defesa do profissional e a memória do atendimento. Ele deve ser um documento completo, legível e cronológico, refletindo com precisão todas as etapas do cuidado. Cada registro deve incluir:


• Horários: Detalhar o horário de cada intervenção, avaliação, administração de medicamentos, solicitação e recebimento de exames. A precisão temporal é crucial para refutar alegações de demora ou omissão.


• Justificativas: Explicitar as razões clínicas para cada decisão tomada, como a escolha de um tratamento, a solicitação ou não de um exame, ou a alta do paciente. Isso demonstra o raciocínio médico por trás da conduta.


• Evolução Clara e Detalhada: Registrar a evolução do quadro clínico do paciente, incluindo queixas, achados do exame físico, resultados de exames, condutas terapêuticas, intercorrências e a resposta do paciente ao tratamento. Evitar termos genéricos e ser o mais descritivo possível.


• Identificação: Todos os registros devem ser datados, carimbados e assinados pelo médico responsável. Em prontuários eletrônicos, a assinatura digital garante a autoria e a integridade do registro.


• Anexos: Incluir cópias de exames, laudos, pareceres de especialistas, termos de consentimento e quaisquer outros documentos relevantes.


• Comunicação Clara e Empática com Paciente e Família: A comunicação é a chave para evitar mal-entendidos e construir uma relação de confiança. Em um ambiente de PS, onde o tempo é escasso, a comunicação deve ser:


• Clara e Objetiva: Usar linguagem acessível, evitando jargões técnicos excessivos. Explicar o diagnóstico provisório, o plano terapêutico, os riscos e benefícios dos procedimentos, e as expectativas de tempo de espera.


• Empática: Reconhecer a dor, a ansiedade e o medo do paciente e de seus familiares. Demonstrar acolhimento e disposição para ouvir, mesmo que brevemente. Uma comunicação empática pode desarmar potenciais conflitos e reduzir a probabilidade de denúncias.


• Realista: Gerenciar as expectativas do paciente e da família sobre o tempo de espera, a disponibilidade de recursos e o prognóstico. Informar sobre as limitações do serviço, se houver, de forma transparente.


• Registro da Comunicação: Documentar no prontuário as informações passadas ao paciente e à família, quem foi informado e a reação deles. Isso é vital para comprovar que a comunicação foi realizada.


• Registro de Recusas, Limitações e Conflitos: Qualquer situação que possa gerar questionamentos futuros deve ser formalmente registrada no prontuário:


• Recusa de Atendimento/Procedimento/Exame: Se o paciente ou seu responsável legal recusar um exame, procedimento ou tratamento proposto, registrar claramente a recusa, a orientação dada sobre os riscos da não realização e, se possível, obter a assinatura do paciente em um termo de recusa. Se a assinatura não for possível, registrar o motivo e a presença de testemunhas.


• Limitações Estruturais: Documentar a indisponibilidade de leitos, falta de insumos, equipamentos quebrados, ou a necessidade de transferência para outro serviço devido à complexidade do caso. Isso demonstra que a limitação não foi uma falha do médico, mas do sistema. É importante comunicar essas limitações à gestão da unidade.


• Conflitos e Agressões: Registrar qualquer incidente de agressão verbal ou física por parte do paciente ou acompanhante, incluindo data, hora, descrição do ocorrido e medidas tomadas. Isso protege o médico e serve como evidência em caso de necessidade de acionamento de autoridades.


• Formalização das Trocas de Plantão (Assinatura, Checklist, Mensagens Salvas): A passagem de plantão é um dos momentos de maior risco. Para minimizá-lo:


• Checklist Padronizado: Utilizar um checklist que garanta a transmissão de todas as informações essenciais sobre os pacientes, incluindo diagnósticos, condutas, medicações, exames pendentes e intercorrências.


• Registro Formal: A passagem de plantão deve ser registrada em livro próprio, sistema eletrônico ou prontuário, com a assinatura (física ou digital) dos médicos que estão passando e recebendo o plantão. Isso formaliza a transferência de responsabilidade.


• Mensagens Salvas: Em alguns serviços, a comunicação via aplicativos de mensagens é comum. É prudente que as informações relevantes trocadas por esses meios sejam salvas e, se possível, transpostas para o prontuário oficial.


• Escala Arquivada e Protocolos Cumpridos:


• Escala de Trabalho: Manter cópias da escala de trabalho arquivadas. Em caso de denúncia, a escala comprova a presença do médico no plantão e sua responsabilidade sobre os pacientes atendidos naquele período.


• Adesão a Protocolos: Seguir rigorosamente os protocolos clínicos e as diretrizes institucionais. O cumprimento de protocolos é uma forte evidência de que o atendimento foi realizado de acordo com as boas práticas médicas. Qualquer desvio justificado deve ser registrado e explicado no prontuário.


O Que o Médico Deve Fazer ao Ser Denunciado

Receber uma denúncia é, sem dúvida, um momento de grande apreensão e estresse para qualquer médico. No entanto, a forma como o profissional reage a essa situação inicial pode ser determinante para o desfecho do processo. Manter a calma, agir com método e buscar o suporte adequado são passos cruciais.


• Não Conversar Informalmente com o Paciente ou Família: A primeira e mais importante regra é evitar qualquer contato informal com o paciente ou seus familiares após tomar conhecimento da denúncia. Conversas desestruturadas, sem a presença de um advogado ou representante legal, podem ser mal interpretadas, gerar novas acusações ou, pior, produzir provas contra o próprio médico. Qualquer tentativa de "resolver" a situação diretamente pode ser vista como admissão de culpa ou tentativa de coação. A comunicação, a partir desse ponto, deve ser formal e mediada por profissionais habilitados.


• Reunir Prontuário, Escala, Prints e Mensagens: A documentação é a espinha dorsal de qualquer defesa. Assim que souber da denúncia, o médico deve imediatamente:


• Prontuário Completo: Assegurar-se de que o prontuário do paciente em questão está completo, com todos os registros, evoluções, exames, condutas e justificativas. Se o prontuário for eletrônico, garantir que não haja alterações após a ciência da denúncia, pois isso pode ser interpretado como fraude. Se for físico, garantir sua integridade.


• Escala de Plantão: Obter cópias da escala de plantão do período em que o atendimento ocorreu. Isso comprova a presença e a responsabilidade do médico no momento do suposto incidente.


• Prints e Mensagens: Se houve comunicação relevante sobre o caso por meios informais (aplicativos de mensagens, e-mails), fazer prints de tela ou salvar as conversas. Isso pode incluir discussões com colegas, orientações da chefia ou qualquer informação que contextualize o atendimento.


• Outros Documentos: Reunir quaisquer outros documentos pertinentes, como termos de consentimento, relatórios de intercorrências, registros de recusas de atendimento, ou protocolos institucionais.


• Comunicar Direção Técnica e Buscar Auxílio Jurídico: Não tente enfrentar a situação sozinho. Os próximos passos são:


• Direção Técnica/Jurídica da Instituição: Informar imediatamente a direção técnica ou o departamento jurídico da instituição onde o atendimento ocorreu. Muitas instituições possuem advogados ou assessores jurídicos que podem oferecer o primeiro suporte e orientação.


• Advogado Especializado: Buscar um advogado especializado em direito médico. Este profissional será fundamental para analisar a denúncia, orientar sobre os procedimentos legais, preparar a defesa e representar o médico em todas as esferas (CRM, cível, criminal, PAD). A escolha de um profissional com experiência na área é crucial.


• Aguardar Orientação Antes de se Manifestar: É vital não se manifestar publicamente ou formalmente sobre a denúncia sem a devida orientação jurídica. Declarações precipitadas, mesmo que bem-intencionadas, podem prejudicar a defesa. O advogado irá orientar sobre o momento e a forma adequados para apresentar a defesa.


• Agir com Calma e Método: O estresse e a ansiedade são reações naturais, mas é importante não deixar que eles dominem. Manter a calma permite pensar com clareza e seguir as orientações de forma metódica. Confie no seu advogado e no processo de defesa, focando em fornecer todas as informações e documentos solicitados.


Como Funciona o Processo Ético no CRM

O processo ético no Conselho Regional de Medicina (CRM) é a via pela qual as denúncias de suposta má conduta médica são apuradas. Compreender suas etapas é fundamental para que o médico denunciado possa exercer seu direito de defesa de forma plena e eficaz.


Etapas Básicas do Processo Ético

  1. Denúncia: O processo se inicia com uma denúncia formal, que pode ser apresentada por pacientes, familiares, outros profissionais de saúde, instituições ou até mesmo de ofício pelo próprio CRM. A denúncia deve ser escrita e conter elementos mínimos que permitam a identificação do denunciante e do denunciado, além de uma descrição dos fatos.


  1. Sindicância: Após o recebimento da denúncia, o CRM instaura uma sindicância, que é uma fase preliminar de apuração. Um conselheiro sindicante é designado para analisar a denúncia, coletar informações e ouvir as partes envolvidas (denunciante e denunciado). Nesta fase, o médico denunciado é notificado e tem a oportunidade de apresentar sua defesa prévia, que é uma manifestação inicial sobre os fatos. É crucial que o médico apresente todos os documentos e informações relevantes já nesta etapa, como o prontuário completo e quaisquer outros registros que comprovem sua conduta. A sindicância pode ser arquivada se não houver indícios de infração ética, ou pode ser convertida em Processo Ético-Profissional (PEP) se houver elementos suficientes para prosseguir com a apuração.


  1. Processo Ético-Profissional (PEP): Se a sindicância for convertida em PEP, o processo ganha caráter formal e contraditório. Um novo conselheiro, denominado relator, é designado. Nesta fase, ocorre a instrução processual, que inclui:


• Notificação e Defesa: O médico denunciado é novamente notificado e tem um prazo para apresentar sua defesa formal, que deve ser elaborada com o auxílio de um advogado. Esta defesa é mais detalhada e deve refutar as acusações com base em fatos, documentos e, se necessário, pareceres técnicos.


• Produção de Provas: São produzidas as provas, que podem incluir a oitiva de testemunhas (indicadas pelo denunciante e pelo denunciado), solicitação de documentos adicionais, e, frequentemente, a realização de perícias médicas. A perícia é um momento crucial, onde um médico perito analisa o prontuário e os fatos para emitir um parecer técnico sobre a conduta do denunciado.


• Diligências: O relator pode determinar a realização de diligências para esclarecer pontos obscuros ou coletar novas informações.


  1. Julgamento: Concluída a fase de instrução, o processo é encaminhado para julgamento por uma Câmara de Julgamento do CRM. O médico denunciado e seu advogado têm o direito de realizar sustentação oral, apresentando os argumentos finais da defesa. Após a sustentação, os conselheiros votam e proferem a decisão, que pode ser pela absolvição ou pela condenação do médico. Em caso de condenação, é aplicada uma das penalidades previstas no Código de Ética Médica (advertência, censura, suspensão ou cassação).


  2. Recurso ao CFM: Se o médico for condenado, ele tem o direito de recorrer da decisão ao Conselho Federal de Medicina (CFM). O recurso é analisado por uma Câmara Recursal do CFM, que pode manter, reformar ou anular a decisão do CRM. A decisão do CFM é a última instância administrativa.


Critérios de Análise e Importância das Provas Técnicas

Durante todo o processo ético, a análise da conduta do médico se baseia em critérios técnicos e éticos. Não basta apenas alegar inocência; é preciso comprovar que a conduta foi adequada e seguiu as boas práticas médicas. Nesse sentido, as provas técnicas são de suma importância:


• Prontuário Médico: É a prova documental mais relevante. Um prontuário completo, claro e bem preenchido é a principal ferramenta para demonstrar que o atendimento foi realizado de forma diligente e ética.


• Pareceres Técnicos/Perícias: O parecer de um médico perito, que analisa o caso sob uma perspectiva técnica e imparcial, tem grande peso no julgamento. É fundamental que o médico denunciado, com o auxílio de seu advogado, possa apresentar pareceres de assistentes técnicos que corroborem sua defesa.


• Protocolos e Diretrizes: A comprovação de que o atendimento seguiu os protocolos clínicos e as diretrizes institucionais é um forte argumento de defesa.


• Testemunhas: O depoimento de outros profissionais de saúde que presenciaram o atendimento ou que podem atestar a conduta do médico também pode ser relevante.


É importante ressaltar que o processo ético no CRM busca apurar a responsabilidade ética do médico, e não necessariamente a responsabilidade cível ou criminal. No entanto, uma condenação ética pode ter reflexos nas outras esferas, servindo como indício de má conduta.


Esferas Cível e Criminal

Além do processo ético no CRM, o médico denunciado pode enfrentar processos nas esferas cível e criminal, cada uma com suas particularidades, consequências e estratégias de defesa. É crucial entender a distinção entre elas e a importância de um suporte jurídico qualificado.


Esfera Cível: A Busca pela Reparação de Danos

Na esfera cível, o foco principal é a reparação de danos alegadamente sofridos pelo paciente ou seus familiares em decorrência de um suposto erro ou falha no atendimento médico. As ações cíveis são movidas com o objetivo de obter indenizações financeiras. As consequências, portanto, são de natureza patrimonial.

Possíveis Consequências:


• Condenação ao Pagamento de Indenizações: Como detalhado anteriormente, o médico pode ser condenado a pagar valores significativos a título de danos morais, materiais e/ou estéticos. Esses valores são determinados pelo juiz, com base na extensão do dano, na capacidade financeira das partes e em precedentes judiciais.


• Bloqueio de Bens: Em casos de condenação, se o médico não tiver condições de arcar com a indenização, seus bens (contas bancárias, imóveis, veículos) podem ser bloqueados judicialmente para garantir o pagamento.


• Desgaste Financeiro e Emocional: Mesmo que não haja condenação, o processo cível é longo e custoso, envolvendo honorários advocatícios, custas processuais e, por vezes, a necessidade de contratação de peritos assistentes. O desgaste emocional decorrente da incerteza e da exposição também é considerável.

Estratégias de Defesa:


• Valor da Perícia Médica: A perícia médica é a prova mais importante em ações cíveis por suposto erro médico. Um perito judicial, nomeado pelo juiz, analisará o prontuário, os exames e todas as evidências para emitir um laudo técnico sobre a conduta do médico. É fundamental que o médico e seu advogado contratem um assistente técnico para acompanhar a perícia, formular quesitos e, se necessário, contestar o laudo do perito judicial. O assistente técnico atua como um especialista que defende os interesses do médico, garantindo que a análise técnica seja justa e completa.


• Testemunhos: O depoimento de outros profissionais de saúde que participaram do atendimento, ou de testemunhas que possam atestar a conduta do médico ou as condições do ambiente de trabalho, pode ser relevante para corroborar a defesa.


• Prontuário Impecável: Reitera-se a importância do prontuário médico completo e detalhado. Ele é a principal prova documental da diligência do médico e da conformidade do atendimento com as boas práticas. Qualquer lacuna ou inconsistência no prontuário pode ser usada contra o médico.


• Documentação Adicional: Todos os documentos que comprovem as condições de trabalho (escala, falta de recursos, superlotação), a comunicação com o paciente e familiares, e as recusas de tratamento devem ser apresentados.


• Envolver Suporte Jurídico Qualificado: A atuação de um advogado especializado em direito médico é indispensável. Ele será responsável por analisar o caso, elaborar a defesa, apresentar as provas, acompanhar a perícia, participar das audiências e recorrer de decisões desfavoráveis. A complexidade do direito médico exige um profissional com conhecimento aprofundado tanto na área jurídica quanto na área da saúde.


Esfera Criminal: A Proteção da Liberdade

Na esfera criminal, o médico é acusado de ter cometido um crime previsto no Código Penal, como lesão corporal, omissão de socorro ou, em casos extremos, homicídio culposo. As consequências são mais severas, podendo incluir penas de detenção ou reclusão, além de multas.


Possíveis Consequências:


• Pena de Detenção ou Reclusão: Em caso de condenação, o médico pode ser privado de sua liberdade, dependendo da gravidade do crime e da pena aplicada.


• Multa Criminal: Além da pena privativa de liberdade, pode haver a aplicação de multas.


• Processo Longo e Desgastante: Os processos criminais são notoriamente longos, complexos e emocionalmente exaustivos. A incerteza sobre o futuro e a exposição pública podem gerar um grande sofrimento.


• Estigma Social: Uma condenação criminal, mesmo que não resulte em prisão, pode acarretar um estigma social e profissional duradouro.


Estratégias de Defesa:


• Análise Rigorosa da Culpabilidade: No direito penal, a culpa (negligência, imprudência ou imperícia) deve ser comprovada de forma inequívoca. A defesa buscará demonstrar que a conduta do médico não se enquadra nos requisitos legais para a caracterização do crime, ou que não houve nexo causal entre a conduta e o resultado danoso.


• Perícia Médica e Laudos Técnicos: Assim como na esfera cível, a perícia médica é crucial. O laudo do perito judicial e os pareceres dos assistentes técnicos serão fundamentais para demonstrar a ausência de culpa ou a inexistência de erro médico. Em muitos casos, a defesa se baseará em demonstrar que o resultado adverso era uma complicação inerente ao procedimento ou à doença, e não decorrente de falha do médico.


• Testemunhas de Defesa: O depoimento de outros profissionais de saúde, que possam atestar a correção da conduta ou as condições de trabalho, é de grande valia.


• Prontuário e Documentação: O prontuário médico, com seus registros detalhados, é a principal prova da diligência do médico. A documentação de recusas, limitações e condições adversas de trabalho também é essencial para contextualizar o atendimento.


• Suporte Jurídico Especializado: A atuação de um advogado criminalista com experiência em casos de responsabilidade médica é imprescindível. Ele terá o conhecimento técnico para lidar com as nuances do direito penal e da medicina, garantindo a melhor defesa possível.


É importante notar que as esferas cível e criminal são independentes, mas as provas produzidas em uma podem ser utilizadas na outra. Por isso, a coordenação entre os advogados que atuam em cada esfera é fundamental para uma defesa coesa e eficaz.


O Caminho para a Segurança Jurídica no PS

O pronto-socorro é, inegavelmente, um ambiente de risco jurídico elevado para o médico. A complexidade dos casos, a pressão por resultados rápidos, a sobrecarga de trabalho e as expectativas, por vezes irrealistas, dos pacientes e seus familiares criam um cenário propício para o surgimento de denúncias. No entanto, é fundamental que o profissional de saúde compreenda que a defesa mais eficaz não se inicia no momento em que a denúncia é formalizada, mas sim na rotina diária do atendimento.


A documentação meticulosa e completa do prontuário médico é a pedra angular dessa defesa preventiva. Cada registro, cada horário, cada justificativa e cada evolução clínica devem ser encarados como peças fundamentais na construção de uma narrativa clara e irrefutável sobre a conduta do médico. Um prontuário bem preenchido não é apenas uma exigência ética e legal; é a memória fidedigna do atendimento, capaz de contextualizar decisões, comprovar a diligência e refutar alegações infundadas. A ausência ou a incompletude desses registros, por outro lado, transforma o médico em um alvo vulnerável, mesmo que sua conduta tenha sido tecnicamente impecável.


Paralelamente à documentação, a comunicação empática e transparente com o paciente e sua família emerge como um pilar essencial. Em um ambiente onde a ansiedade e o medo são constantes, a capacidade de ouvir, explicar e gerenciar expectativas pode desarmar conflitos e transformar potenciais queixas em compreensões. Registrar essa comunicação, incluindo recusas de tratamento ou limitações estruturais, é tão importante quanto o registro das condutas médicas.


Por fim, a cautela e a busca por suporte qualificado são atitudes indispensáveis. Ao ser denunciado, a primeira reação deve ser a de não se manifestar informalmente e de buscar imediatamente o auxílio de um advogado especializado em direito médico e da direção técnica da instituição. A tentação de "resolver" a situação por conta própria pode ser desastrosa. A defesa técnica e estratégica, baseada em provas e na expertise jurídica, é o caminho mais seguro para navegar pelas complexas esferas ética, cível e criminal.


Em suma, a proteção do médico em pronto-socorro é um esforço contínuo que combina excelência técnica, rigor na documentação, comunicação humanizada e uma postura proativa na busca por apoio legal. Ao adotar essas práticas, o profissional não apenas se resguarda juridicamente, mas também eleva a qualidade e a segurança do atendimento prestado, fortalecendo a confiança na medicina e em seus praticantes.

Ricardo Stival é Advogado, Professor de Pós-Graduação de Direito Médico,  Especialista em Ações Judiciais de Erro Médico, Sindicâncias e Processos Éticos no CRM e CRO, com atuação em todo o Brasil
Ricardo Stival - Advogado de Direito Médico

Ricardo Stival - Advogado e Professor de Direito Médico

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