Suspensão do FIES durante a Residência Médica
- Ricardo Stival
- há 2 horas
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Atualizado: há 2 horas
A residência médica representa um dos momentos mais exigentes da carreira dos médicos, sendo um regime de dedicação quase integral, com carga horária elevada e, na maioria das especialidades, remuneração limitada.

Diante disso, é comum que médicos recém-formados enfrentem dificuldades financeiras, sobretudo quando ainda estão vinculados a contratos de financiamento estudantil, públicos ou privados.
Nesse contexto, é relevante discutir a possibilidade de suspensão do pagamento de contratos de financiamento como o FIES oriundos do Governo Federal e outros da iniciativa privada.
Sobre essa temática, importante tratarmos desse assunto e das possibilidades do residente médico buscar a suspensão enquanto cumpre sua carga horária na residência medica.
O FIES e a regulamentação sobre carência e suspensão
O Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), originalmente regulamentado por meio da Lei nº 10.260/2001 e por diversas portarias do Ministério da Educação, previa a possibilidade de carência estendida para egressos que ingressassem em programas de residência médica, conforme estabelecido, por exemplo, na Portaria Normativa MEC nº 23/2011.
Ao longo dos anos, no entanto, tais dispositivos foram sendo modificados ou suprimidos, gerando incerteza jurídica quanto à aplicação prática da suspensão de pagamento nesse período. Ainda assim, diversos tribunais vêm reconhecendo a possibilidade de aplicação dessas normas anteriores, especialmente quando se verifica que o médico residente atua em regime de dedicação exclusiva e não possui capacidade financeira para arcar com as parcelas do contrato sem prejuízo à própria subsistência.
Decisões judiciais têm apontado que a cobrança de parcelas durante a residência pode configurar abuso de direito, sobretudo quando o contrato original previa condições que hoje se mostram desproporcionais ao contexto atual do profissional.
Financiamento Privado
Assim como o FIES, existem outras formas de financiamento estudantil em modelos contratuais amplamente utilizados por instituições privadas de ensino superior. Trata-se de um contrato de natureza privada, mas que envolve instituições de ensino sob regulação do MEC e tem por finalidade viabilizar o acesso ao ensino superior.
E, da mesma forma como no financiamento oportunizado pelo Governo Federal, muitos médicos buscam o Poder Judiciário para analisar e julgar os seus contratos; utilizando como base a aplicação dos princípios contratuais de boa-fé objetiva, equilíbrio entre as partes e função social do contrato, reconhecendo, em determinadas hipóteses, o direito à suspensão das obrigações até o término da residência.
Elementos importantes para análise individual do contrato
Porém, antes de se pensar em medidas administrativas ou judiciais, é fundamental que o médico avalie e compreenda que cada contrato possui suas particularidades e deve ser analisado de forma individual. No entanto, deve observar:
• A existência ou não de cláusulas de carência, suspensão ou renegociação;
• A documentação que comprove a participação em residência médica com dedicação exclusiva;
• A eventual comunicação formal com a instituição de ensino ou financeira solicitando a suspensão;
• O histórico de pagamento e eventual inadimplência que possa prejudicar a negociação.
Dessa forma, a residência médica, por sua natureza e intensidade, exige que o profissional concentre seus esforços no aperfeiçoamento técnico e na dedicação ao atendimento dos pacientes. A manutenção de encargos financeiros decorrentes de contratos de financiamento estudantil nesse período, especialmente quando não há previsão clara de carência ou suspensão, pode comprometer significativamente a estabilidade emocional e financeira do médico em formação.
O tema ainda carece de regulamentação mais clara e uniforme, mas o Judiciário tem se mostrado sensível à realidade enfrentada pelos residentes médicos, especialmente quando demonstrada boa-fé, transparência e diligência na tentativa de renegociar ou suspender as obrigações.
O debate sobre o equilíbrio contratual, sobretudo em contextos educacionais e de formação profissional, permanece atual e relevante, exigindo atenção por parte dos profissionais recém-formados que se veem diante de obrigações assumidas em outro momento de sua trajetória.
No entanto, diversos julgados já reconheceram a viabilidade da carência estendida mesmo para contratos em fase de amortização. A jurisprudência tem rechaçado normas infralegais que tentam impor restrições temporais à prorrogação do benefício, defendendo a interpretação mais benéfica ao estudante de medicina, sobretudo compreendendo a boa-fé contratual e da função social do contrato.
Para obter tal benefício, muitos médicos têm a seu favor a impossibilidade de conciliar a rotina da residência com o exercício de outra atividade remunerada, o comprometimento integral da bolsa recebida com despesas básicas de subsistência e a ausência de canais efetivos para pleitear a suspensão administrativamente.
Diante disso, o caminho judicial se mostra legítimo e necessário. Trata-se de garantir ao médico residente o pleno exercício de sua formação, sem comprometer sua integridade financeira ou inviabilizar sua permanência no programa de residência.
Porém, importante que o médico residente pertença ao programa de certas especialidades, como uma das 19 Especialidades Médicas prioritárias para o SUS, como:
1. Clínica Médica;
2. Cirurgia Geral;
3. Ginecologia e Obstetrícia;
4. Pediatria;
5. Neonatologia;
6. Medicina Intensiva;
7. Medicina de Família e Comunidade;
8. Medicina de Urgência;
9. Psiquiatria;
10. Anestesiologia;
11. Nefrologia;
12. Neurocirurgia;
13. Ortopedia e Traumatologia;
14. Cirurgia do Trauma;
15. Cancerologia Clínica;
16. Cancerologia Cirúrgica;
17. Cancerologia Pediátrica;
18. Radiologia e Diagnóstico por Imagem;
19. Radioterapia.
Sendo assim, a análise de cada caso deve ser individualizada, mas os fundamentos jurídicos são robustos e encontram respaldo não apenas na letra da lei, como também em reiteradas decisões dos tribunais, que reconhecem a natureza especial da residência médica e a necessidade de proteção do direito à educação nesse período.