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Defesa em Processo Ético-Profissional no CRM

  • Foto do escritor: Ricardo Stival
    Ricardo Stival
  • 25 de fev. de 2023
  • 18 min de leitura

Atualizado: 15 de jun.

A jornada de um médico no âmbito do Conselho Regional de Medicina (CRM) pode, em determinado momento, transitar de uma fase preliminar de apuração, a sindicância, para a instauração formal de um Processo Ético-Profissional (PEP). Esta transição não é meramente uma mudança de nomenclatura, mas sim uma alteração substancial no rito, nas implicações e nos riscos inerentes à conduta profissional.


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A sindicância, concebida como um procedimento investigativo de caráter sigiloso e inquisitório, tem como objetivo precípuo a coleta de informações e a verificação da existência de indícios de infração ética. Por sua natureza menos formal e por não prever, em regra, a aplicação imediata de sanções, muitos profissionais da medicina, imbuídos de uma falsa sensação de segurança ou por desconhecimento das nuances processuais, optam por conduzir sua defesa de forma autônoma, sem o suporte de uma assessoria jurídica especializada.


Contudo, essa escolha, embora aparentemente inofensiva na fase inicial, pode gerar reflexos deletérios e irreversíveis na futura acusação formal. As manifestações, esclarecimentos e documentos apresentados durante a sindicância, mesmo que informais, tornam-se parte integrante do acervo probatório e podem vincular a tese defensiva a ser adotada no PEP. A ausência de uma estratégia jurídica bem delineada desde o princípio, a falta de conhecimento sobre os fundamentos legais e éticos que regem a atuação médica, e a inabilidade em organizar uma estrutura probatória consistente, frequentemente resultam na instauração do processo ético. É nesse ponto que a gravidade da situação se intensifica, exigindo do médico uma compreensão aprofundada do cenário e a adoção de uma postura proativa e estrategicamente orientada para a defesa de sua honra, reputação e exercício profissional.


O Que Muda com a Instauração do Processo Ético-Profissional: Da Apuração Preliminar à Potencial Condenação Pública


A instauração do Processo Ético-Profissional (PEP) no Conselho Regional de Medicina (CRM) marca uma distinção fundamental em relação à fase de sindicância, elevando o grau de formalidade, as exigências processuais e, sobretudo, os riscos para o médico investigado. Enquanto a sindicância se configura como um procedimento preliminar de averiguação, o PEP assume o caráter de um processo administrativo disciplinar propriamente dito, com rito definido e a possibilidade de culminar em sanções éticas de grande impacto, incluindo a condenação pública e a restrição ou cassação do exercício profissional.


Formalidade e Rito Processual Rigoroso


A principal mudança reside na formalidade do rito. O PEP é regido por normas específicas do Código de Processo Ético-Profissional (CPEP) e do Código de Ética Médica (CEM), que estabelecem prazos, procedimentos e garantias processuais. Diferentemente da sindicância, onde a participação do médico pode ser mais informal, no PEP a defesa se torna obrigatória e deve seguir os preceitos legais e éticos. A ausência de uma defesa técnica adequada ou a inobservância dos prazos processuais podem acarretar prejuízos irreparáveis à estratégia defensiva.


Obrigatoriedade da Defesa Prévia e Ônus Processuais


Com a instauração do PEP, surge a obrigatoriedade da apresentação da Defesa Prévia. Este é um momento crucial para o médico, pois é a primeira oportunidade formal de apresentar sua versão dos fatos, contestar as acusações, anexar documentos e provas que corroborem sua tese, e arrolar testemunhas. A elaboração dessa defesa exige não apenas o conhecimento técnico da medicina, mas também a compreensão dos aspectos jurídicos e éticos envolvidos, bem como a capacidade de articular uma narrativa coesa e fundamentada. A partir deste ponto, o médico assume um ônus processual mais severo, sendo responsável pela produção de provas que sustentem sua inocência ou atenuem sua responsabilidade.


Vinculação da Tese Defensiva: A Narrativa da Sindicância como Precedente


Um dos aspectos mais críticos da transição da sindicância para o PEP é a vinculação da tese defensiva. As informações, depoimentos e documentos apresentados pelo médico na fase de sindicância, mesmo que de forma simplificada ou sem o devido acompanhamento jurídico, tornam-se parte do processo e podem ser utilizados como base para a acusação formal. A narrativa construída na sindicância estabelece um precedente que, em regra, não poderá ser substancialmente alterado no PEP. Qualquer inconsistência ou contradição entre as versões apresentadas pode ser interpretada como má-fé ou tentativa de ludibriar os conselheiros, fragilizando a credibilidade da defesa. Por isso, a importância de uma defesa estratégica e consistente desde a fase preliminar é inegável, pois o que é dito ou omitido na sindicância pode determinar o curso e o desfecho do processo ético.


Potenciais Consequências Graves


O PEP pode culminar em sanções éticas que vão desde uma advertência confidencial até a cassação do exercício profissional. A condenação pública, em particular, tem um impacto devastador na reputação do médico, afetando sua credibilidade perante pacientes, colegas e instituições. Além das sanções administrativas, a decisão do CRM pode servir como prova em outras esferas, como a cível (ações de indenização por danos morais e materiais) e a criminal (crimes contra a saúde pública, lesão corporal, etc.), ampliando as repercussões jurídicas e financeiras para o profissional. A compreensão dessas mudanças e a preparação adequada são, portanto, imperativas para qualquer médico que se veja diante de um Processo Ético-Profissional.


Etapas Obrigatórias do Processo Ético no CRM: A Complexidade do Rito Processual


O Processo Ético-Profissional (PEP) no Conselho Regional de Medicina (CRM) segue um rito processual formal e bem definido, com etapas obrigatórias que exigem do médico investigado e de sua defesa um profundo conhecimento técnico, jurídico e probatório. A compreensão detalhada de cada uma dessas fases é crucial para a construção de uma estratégia defensiva eficaz e para a minimização dos riscos de uma condenação.

 

Etapa

Descrição

Importância para a Defesa

Defesa Prévia

Primeira oportunidade formal de manifestação do médico, contestando acusações e anexando provas.

Estabelece os pilares da tese defensiva; exige rigor técnico e clareza.

Depoimento Pessoal

Médico é questionado sobre os fatos perante o Conselheiro Relator.

Momento de tensão que exige serenidade, clareza e veracidade; a preparação é fundamental.

Oitiva de Testemunhas

Apresentação e oitiva de pessoas com conhecimento dos fatos (pacientes, colegas, etc.).

Produção de prova oral crucial; a escolha e preparação das testemunhas são estratégicas.

Alegações Finais

Última manifestação das partes sobre o conjunto probatório, reforçando argumentos.

Documento abrangente e persuasivo que recapitula fatos e analisa provas; pode ser decisivo para o julgamento.

Sessão de Julgamento

Análise e deliberação dos conselheiros do CRM, com proferimento da decisão final.

Ápice do processo; a decisão é baseada no conjunto probatório e argumentos apresentados.

1- Defesa Prévia


A Defesa Prévia é a primeira oportunidade formal do médico de se manifestar no PEP. Após a notificação da instauração do processo, o profissional tem um prazo determinado para apresentar sua versão dos fatos, contestar as acusações formuladas e anexar todos os documentos e provas que julgar pertinentes para sua defesa. Esta fase é de suma importância, pois é nela que se estabelecem os pilares da tese defensiva. A Defesa Prévia deve ser elaborada com rigor técnico, clareza e objetividade, abordando todos os pontos da acusação e apresentando uma narrativa coesa e fundamentada. É o momento de apresentar documentos médicos, laudos, prontuários, pareceres técnicos e quaisquer outros elementos que corroborem a conduta ética e profissional do médico. A ausência de uma Defesa Prévia robusta ou a apresentação de informações inconsistentes podem comprometer irremediavelmente o desfecho do processo.


2- Depoimento Pessoal


Após a análise da Defesa Prévia e a eventual produção de provas documentais, o médico investigado é convocado para prestar seu Depoimento Pessoal perante o Conselheiro Relator e, em alguns casos, perante a Câmara de Julgamento. Este é um momento de grande tensão, pois o médico será questionado sobre os fatos que deram origem ao processo, sua conduta profissional, os procedimentos adotados e quaisquer outros aspectos relevantes para a elucidação do caso. O depoimento deve ser prestado com serenidade, clareza e veracidade, evitando contradições com o que foi apresentado na Defesa Prévia. A preparação para o Depoimento Pessoal é fundamental, incluindo a revisão dos fatos, dos documentos e da tese defensiva, bem como a simulação de possíveis questionamentos. A forma como o médico se porta e responde às perguntas pode influenciar a percepção dos conselheiros sobre sua conduta e credibilidade.


3- Oitiva de Testemunhas


A fase de Oitiva de Testemunhas permite que tanto a defesa quanto a acusação apresentem e ouçam pessoas que possam ter conhecimento dos fatos ou que possam contribuir para a elucidação da verdade. As testemunhas podem ser pacientes, outros profissionais de saúde, membros da equipe médica, familiares ou qualquer pessoa que tenha informações relevantes para o processo. A escolha das testemunhas pela defesa deve ser estratégica, priorizando aquelas que possam corroborar a tese defensiva e que possuam credibilidade. A preparação das testemunhas antes da oitiva é essencial, orientando-as sobre a importância da verdade, da clareza e da objetividade em seus depoimentos. A oitiva de testemunhas é um momento crucial para a produção de prova oral, que pode ser determinante para o resultado do processo.


4- Alegações Finais


Após a conclusão da fase instrutória, com a produção de todas as provas (documentais, periciais e orais), as partes são intimadas a apresentar suas Alegações Finais. Este é o último momento processual para que a defesa e a acusação se manifestem sobre o conjunto probatório, reforçando seus argumentos e analisando as provas produzidas. As Alegações Finais devem ser um documento abrangente e persuasivo, que recapitule os fatos, analise as provas à luz da tese defensiva, rebata os argumentos da acusação e apresente as conclusões finais. É a oportunidade de demonstrar a inocência do médico ou de atenuar sua responsabilidade, com base em fundamentos legais, éticos e técnicos. A qualidade das Alegações Finais pode ser decisiva para o julgamento do processo.


5- Sessão de Julgamento


A Sessão de Julgamento é o ápice do Processo Ético-Profissional. Nela, o processo é submetido à análise e deliberação dos conselheiros do CRM, que proferem a decisão final com base em todo o conjunto probatório e nos argumentos apresentados pelas partes. Durante o julgamento, antes do Conselheiro Relator apresentar seu voto, que é seguido pela discussão e votação dos demais conselheiros, o médico acompanhado de seu advogado, tem direito a sustentação oral de 10 minutos com 5 minutos finais para últimos esclarecimentos após a discussão do caso entre os conselheiros. A decisão proferida pode ser de absolvição, condenação ou arquivamento. Em caso de condenação, a sanção ética é aplicada, e o médico é notificado da decisão. A Sessão de Julgamento encerra a fase de conhecimento do processo em primeira instância, abrindo, em caso de condenação, a possibilidade de recurso ao Conselho Federal de Medicina (CFM) ou ao pleno do próprio CRM em caso de cassação - seguido em caso de nova condenação dessa natureza, direito a recurso ao CFM.


Riscos e Consequências de uma Condenação: O Impacto na Carreira Médica


A condenação em um Processo Ético-Profissional (PEP) no Conselho Regional de Medicina (CRM) transcende a mera aplicação de uma sanção administrativa, desencadeando uma série de riscos e consequências que podem impactar de forma multidimensional a carreira e a vida pessoal do médico. As penalidades éticas, previstas no Código de Ética Médica (CEM) e na Lei nº 3.268/57, variam em gravidade e podem ter efeitos devastadores.


Sanções Éticas Possíveis


As sanções éticas que podem ser aplicadas pelo CRM, em ordem crescente de gravidade, são:


- Advertência Confidencial: Consiste em uma repreensão sigilosa, registrada no prontuário do médico, sem publicidade.


- Censura Confidencial: Repreensão sigilosa que, embora não seja divulgada publicamente, é registrada no prontuário do médico e pode ser considerada em futuras infrações.


- Censura Pública em Publicação Oficial: Sanção que implica na divulgação da condenação em Diário Oficial e em outros meios de comunicação do CRM, tornando-a de conhecimento público.


- Suspensão do Exercício Profissional por até 30 dias: Medida que impede o médico de exercer a medicina por um período determinado, com a devida publicidade da decisão.


- Cassação do Exercício Profissional: A sanção mais grave, que implica na perda definitiva do direito de exercer a medicina, com a retirada do registro profissional e ampla publicidade.


Efeitos Reputacionais


Uma condenação, especialmente aquelas que resultam em censura pública, suspensão ou cassação, acarreta um dano irreparável à reputação do médico. A publicidade da decisão, seja por meio de Diário Oficial, sites de busca ou notícias, expõe o profissional ao escrutínio público, gerando desconfiança por parte de pacientes, colegas e instituições de saúde. A reputação, construída ao longo de anos de dedicação e trabalho, pode ser destruída em questão de dias, afetando a credibilidade e a confiança que são pilares da relação médico-paciente.


Efeitos Administrativos


No âmbito administrativo, a condenação pode gerar uma série de impedimentos e restrições. A perda da credibilidade pode dificultar a manutenção de vínculos empregatícios com hospitais, clínicas e outras instituições de saúde. A participação em concursos públicos para cargos na área da saúde pode ser inviabilizada, uma vez que a condenação ética pode ser um critério eliminatório. Além disso, a condenação pode afetar a capacidade do médico de obter ou renovar credenciamentos junto a planos de saúde e convênios, limitando sua atuação profissional e sua fonte de renda.


Efeitos Judiciais: A Condenação como Prova em Outras Esferas


Um dos riscos mais significativos de uma condenação ética é a sua utilização como prova em outras esferas do direito. A decisão proferida pelo CRM, embora de natureza administrativa, pode servir como um forte indício ou mesmo como prova cabal em ações cíveis e criminais. Por exemplo, uma condenação por erro médico no CRM pode ser utilizada em um processo de indenização por danos morais e materiais movido pelo

paciente na esfera cível. Da mesma forma, infrações éticas que configurem crimes (como lesão corporal, omissão de socorro, etc.) podem subsidiar processos criminais. A condenação ética, portanto, não se encerra em si mesma, mas pode ser o ponto de partida para uma série de litígios judiciais, ampliando as repercussões financeiras e legais para o médico.


É fundamental que o médico compreenda a gravidade dessas consequências e a necessidade de uma defesa técnica e estratégica desde o primeiro momento, visando não apenas a absolvição no âmbito ético, mas também a proteção contra futuras demandas em outras esferas do direito.


Interdição Cautelar: Uma Medida de Urgência para a Proteção Social


A interdição cautelar é uma medida de natureza excepcional e provisória que pode ser decretada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) ainda durante o curso do Processo Ético-Profissional (PEP). Sua finalidade precípua é a proteção da saúde e da integridade da sociedade, diante da existência de um risco iminente decorrente da atuação do médico investigado. Diferentemente de uma pena definitiva, a interdição cautelar não pressupõe o julgamento final do mérito da acusação, mas sim a constatação de elementos que indiquem a necessidade de afastar o profissional de suas atividades para evitar danos maiores à coletividade.


Critérios de Aplicação


A aplicação da interdição cautelar é balizada por critérios rigorosos e exige a presença de elementos que justifiquem a urgência da medida. Geralmente, é decretada em situações de extrema gravidade, onde a continuidade do exercício profissional do médico representa um perigo real e concreto à saúde pública. Exemplos incluem casos de comprovada imperícia, imprudência ou negligência que resultaram em danos graves a pacientes, ou condutas que demonstrem inaptidão técnica ou ética para o exercício da medicina. A decisão pela interdição cautelar é fundamentada em pareceres técnicos e na análise dos indícios de infração ética, visando sempre o interesse público.


Diferença da Pena Definitiva


É fundamental diferenciar a interdição cautelar de uma pena definitiva. Enquanto a pena definitiva (como a suspensão ou cassação do exercício profissional) é aplicada após o julgamento final do PEP e a comprovação da infração ética, a interdição cautelar é uma medida de caráter preventivo e temporário. Ela visa suspender o exercício profissional do médico por um período determinado, geralmente seis meses, até que o processo ético seja concluído e a decisão final seja proferida. Caso o médico seja absolvido ao final do processo, a interdição cautelar é revogada e ele pode retomar suas atividades. No entanto, se houver condenação, a interdição pode ser convertida em pena definitiva ou ser sucedida por outra sanção.

Repercussões para o Médico


A interdição cautelar, embora provisória, tem um impacto imediato e significativo na vida profissional do médico. O afastamento compulsório de suas atividades acarreta prejuízos financeiros, interrupção de sua rotina de trabalho e, inevitavelmente, um abalo em sua reputação. A publicidade da medida, mesmo que temporária, pode gerar desconfiança e questionamentos por parte de pacientes e colegas. Por isso, a defesa contra a interdição cautelar exige uma atuação jurídica célere e estratégica, visando demonstrar a ausência de risco iminente ou a possibilidade de adoção de medidas menos gravosas que garantam a proteção social sem a necessidade do afastamento do profissional.


Repercussões na Vida Profissional do Médico


Uma condenação em Processo Ético-Profissional (PEP) no Conselho Regional de Medicina (CRM) vai muito além da aplicação de uma sanção formal. As repercussões se estendem por toda a vida profissional do médico, deixando um legado que pode ser tão ou mais impactante do que a própria penalidade. A reputação, os vínculos profissionais e as oportunidades de carreira são severamente afetados, exigindo do profissional uma resiliência e uma estratégia de recuperação que muitas vezes se mostram desafiadoras.


Prejuízo à Reputação e Credibilidade


O dano à reputação é, talvez, a consequência mais imediata e devastadora de uma condenação ética. A medicina é uma profissão que se alicerça na confiança mútua entre médico e paciente. Uma condenação, especialmente aquelas que resultam em publicidade, abala essa confiança, gerando desconfiança e questionamentos sobre a conduta e a competência do profissional. A notícia de uma condenação pode se espalhar rapidamente, seja por meio de veículos oficiais, redes sociais ou boca a boca, manchando a imagem construída ao longo de anos de dedicação e estudo. A recuperação da credibilidade é um processo lento e árduo, que exige transparência, humildade e, muitas vezes, a reconstrução de uma nova trajetória profissional.


Impacto nos Vínculos com Instituições e Planos de Saúde


As instituições de saúde, como hospitais, clínicas e laboratórios, prezam pela imagem e pela segurança de seus pacientes. Um médico com histórico de condenação ética pode ter dificuldades em manter ou estabelecer vínculos empregatícios ou de prestação de serviços com essas instituições. Muitos contratos e credenciamentos preveem cláusulas que permitem a rescisão em caso de condenação ética, ou simplesmente dificultam a

contratação de profissionais com tal histórico. Da mesma forma, os planos de saúde e convênios médicos podem restringir ou negar o credenciamento de médicos condenados, limitando significativamente o acesso do profissional a uma parcela considerável do mercado de trabalho e, consequentemente, sua capacidade de atuação e geração de renda.


Impedimentos em Concursos Públicos e Carreira Acadêmica


A condenação ética pode se tornar um obstáculo intransponível para o ingresso em concursos públicos na área da saúde. Muitos editais preveem a idoneidade moral e ética como requisito eliminatório, e a existência de uma condenação no CRM pode ser interpretada como a ausência desse requisito. Além disso, a carreira acadêmica e de pesquisa também pode ser afetada, uma vez que a reputação e a credibilidade são fatores determinantes para a obtenção de bolsas, financiamentos e o reconhecimento no meio científico. A participação em sociedades médicas e associações de classe também pode ser comprometida, isolando o profissional e dificultando sua atualização e networking.


Divulgação da Condenação em Diário Oficial e Sites de Busca


As sanções éticas que preveem a publicidade da condenação, como a censura pública, a suspensão e a cassação, são divulgadas em Diário Oficial e, consequentemente, indexadas por sites de busca. Isso significa que, ao pesquisar o nome do médico na internet, a informação sobre a condenação estará facilmente acessível a qualquer pessoa. Essa exposição permanente pode gerar constrangimento, dificultar a prospecção de novos pacientes e clientes, e até mesmo afetar a vida pessoal do profissional. A presença dessa informação em plataformas públicas exige do médico uma gestão de crise e uma estratégia de comunicação que visem mitigar os danos e reconstruir a imagem.


Em suma, as repercussões de uma condenação ética na vida profissional do médico são amplas e profundas, afetando não apenas o presente, mas também o futuro de sua carreira. A compreensão desses impactos reforça a necessidade de uma defesa técnica e estratégica desde o primeiro momento, visando a absolvição e a preservação de todos os aspectos da vida profissional.


Estratégia Jurídica na Defesa Técnica


A eficácia da defesa em um Processo Ético-Profissional (PEP) no Conselho Regional de Medicina (CRM) não se limita à mera contestação das acusações, mas reside na

construção de uma estratégia jurídica sólida e inabalável, que se inicia muito antes da instauração formal do processo. A atuação de um profissional especializado em direito médico é fundamental para guiar o médico em todas as fases, desde a sindicância até a eventual fase recursal, garantindo a coerência, a consistência e a fundamentação da tese defensiva.


Alinhamento da Linha de Defesa desde a Sindicância


Um dos erros mais comuns e prejudiciais é a falta de alinhamento da linha de defesa desde a fase de sindicância. Como já mencionado, as informações e esclarecimentos prestados nessa fase preliminar podem vincular a tese defensiva no PEP. Portanto, é imperativo que, desde o primeiro contato com o CRM, o médico esteja assessorado por um advogado especializado, que o oriente sobre a melhor forma de se manifestar, quais documentos apresentar e como construir uma narrativa consistente. A defesa deve ser planejada de forma estratégica, considerando todos os possíveis desdobramentos e as implicações de cada passo. A documentação deve ser organizada e coerente, e a comunicação com o CRM deve ser feita de forma técnica e profissional, evitando ambiguidades ou contradições.


Inadmissibilidade de Alteração de Versões dos Fatos


No Processo Ético-Profissional, a alteração de versões dos fatos apresentadas anteriormente é inadmissível e pode ser interpretada como má-fé ou tentativa de ludibriar os conselheiros. A credibilidade da defesa é um ativo inestimável, e qualquer inconsistência pode fragilizá-la. Por isso, a importância de uma narrativa única e coerente desde o início. O advogado deve auxiliar o médico a reconstruir os fatos de forma precisa, a analisar criticamente as provas existentes e a identificar eventuais lacunas ou pontos fracos na acusação. A defesa deve ser pautada na verdade e na ética, buscando demonstrar a regularidade da conduta médica e o cumprimento das normas éticas e legais.


Alinhamento de Argumentos Médicos com Fundamentos Legais e Éticos


A defesa técnica em um PEP exige a integração harmoniosa de argumentos médicos com fundamentos legais e éticos. Não basta apenas demonstrar a correção técnica do procedimento médico; é preciso também contextualizá-lo à luz do Código de Ética Médica, das resoluções do CFM e das leis aplicáveis. O advogado especializado em direito médico possui o conhecimento necessário para traduzir a linguagem técnica da medicina para o universo jurídico, articulando os argumentos de forma persuasiva e compreensível para os conselheiros. A defesa deve demonstrar que a conduta do médico esteve em conformidade com os princípios da boa prática médica, da ética

profissional e da legislação vigente. A apresentação de pareceres de especialistas, quando pertinente, pode reforçar a tese defensiva, conferindo maior solidez aos argumentos técnicos.


Atuação Proativa e Gestão de Provas


Uma estratégia jurídica eficaz envolve uma atuação proativa na gestão de provas. Isso inclui a coleta e organização de todos os documentos relevantes (prontuários, laudos, exames, termos de consentimento, etc.), a identificação e preparação de testemunhas, e a solicitação de perícias ou diligências, quando necessário. O advogado deve antecipar os possíveis questionamentos da acusação e preparar o médico para respondê-los de forma clara e objetiva. A gestão de provas é um elemento crucial para a construção de uma defesa robusta, pois a decisão dos conselheiros será baseada no conjunto probatório apresentado.


Em síntese, a estratégia jurídica na defesa técnica de um Processo Ético-Profissional é um processo complexo e multifacetado, que exige conhecimento especializado, planejamento e atuação proativa. A busca por auxílio jurídico desde o primeiro momento é um investimento na preservação da carreira e da reputação do médico, garantindo que sua defesa seja conduzida com o rigor e a seriedade que o caso exige.


Possibilidade de Recurso ao CFM


Em caso de condenação em primeira instância no Conselho Regional de Medicina (CRM), o médico não está desamparado. O ordenamento jurídico e ético-profissional brasileiro prevê a possibilidade de interposição de recurso ao Conselho Federal de Medicina (CFM), que atua como instância revisora das decisões proferidas pelos CRMs. No entanto, é crucial compreender que a fase recursal possui suas particularidades e limitações, e a efetividade do recurso está intrinsecamente ligada à solidez da defesa construída nas etapas anteriores do Processo Ético-Profissional (PEP).


Base Limitada à Tese Inicial


Um dos aspectos mais relevantes da fase recursal é que a análise do CFM se restringe, em regra, à tese e aos elementos probatórios que foram apresentados e discutidos nas instâncias inferiores. Isso significa que não é o momento de apresentar fatos novos, provas que poderiam ter sido produzidas anteriormente ou de alterar substancialmente a linha de defesa. O recurso ao CFM visa, primordialmente, a revisão da aplicação do direito e da valoração das provas já existentes, buscando demonstrar que a decisão do CRM foi equivocada, injusta ou contrária às normas éticas e legais. Portanto, a construção de uma defesa robusta e completa desde a sindicância e a Defesa Prévia no CRM é fundamental, pois o que não foi devidamente arguido ou provado nessas fases dificilmente poderá ser introduzido com sucesso em sede recursal.


A Importância da Defesa Bem Construída desde o Início


A máxima de que "quanto melhor construída a defesa desde o início, maiores as chances de reversão ou absolvição" é particularmente verdadeira no contexto do Processo Ético- Profissional. Uma defesa que se pauta na coerência, na consistência probatória e na fundamentação jurídica e ética desde a sindicância e a primeira instância do CRM, oferece um substrato muito mais sólido para a interposição de um recurso ao CFM. Quando o recurso é bem fundamentado, com argumentos claros e provas robustas que demonstram a improcedência da acusação ou a inadequação da sanção aplicada, as chances de reversão da condenação ou de absolvição em instância superior são significativamente maiores. Por outro lado, um recurso que tenta compensar as deficiências da defesa inicial, sem novos elementos de fato ou de direito, tende a ter poucas chances de sucesso.


Procedimento Recursal no CFM


O recurso ao CFM segue um rito próprio, com prazos e formalidades específicas. Após a interposição do recurso, o processo é encaminhado ao CFM, onde será distribuído a um Conselheiro Relator. Este Conselheiro analisará o caso, podendo solicitar informações adicionais ou diligências, se necessário. Posteriormente, o recurso será julgado em sessão plenária, onde os conselheiros do CFM proferirão sua decisão. A decisão do CFM é soberana e encerra a via administrativa, não cabendo mais recursos dentro do sistema dos Conselhos de Medicina. Em casos excepcionais, a decisão do CFM pode ser questionada judicialmente, mas essa é uma via extraordinária e que exige fundamentos jurídicos muito específicos.


Em síntese, a possibilidade de recurso ao CFM representa uma importante garantia para o médico condenado em primeira instância. Contudo, para que essa garantia seja efetiva, é indispensável que a defesa tenha sido estrategicamente planejada e executada desde o início do processo, garantindo que todos os elementos necessários para uma revisão favorável estejam presentes no conjunto probatório.


A Imperatividade do Preparo Ético e Estratégico para a Preservação da Atividade Médica


O Processo Ético-Profissional (PEP) no Conselho Regional de Medicina (CRM) não deve ser encarado como um mero trâmite burocrático, mas sim como um procedimento de alta seriedade, com o potencial de impactar profundamente a carreira e a vida pessoal do médico. A compreensão de suas nuances, a antecipação de seus riscos e a adoção de uma postura proativa e estrategicamente orientada são imperativos para a preservação da atividade médica e da reputação profissional.


Desde a fase de sindicância, que muitos profissionais subestimam, a atenção aos detalhes e a busca por auxílio jurídico especializado são cruciais. As informações e esclarecimentos prestados nesse estágio inicial podem, como demonstrado, vincular a tese defensiva nas fases subsequentes, tornando-se um alicerce – ou um ponto fraco – para a defesa. A autodefesa, por mais bem-intencionada que seja, raramente se mostra eficaz diante da complexidade do rito processual ético e da necessidade de articulação de argumentos médicos com fundamentos legais e éticos.


A jornada de um PEP é marcada por etapas formais e exigentes, desde a Defesa Prévia até a Sessão de Julgamento, cada qual demandando conhecimento técnico-jurídico e probatório. As consequências de uma condenação, que vão desde sanções éticas formais até prejuízos reputacionais, administrativos e judiciais, reforçam a necessidade de uma defesa técnica robusta e inabalável. A interdição cautelar, embora provisória, é um lembrete contundente da capacidade do sistema de agir rapidamente em prol da proteção social, exigindo uma resposta jurídica célere e eficaz.


A estratégia jurídica, portanto, não é um acessório, mas um componente essencial da defesa. Ela envolve o alinhamento coerente da linha de defesa desde o início, a gestão proativa de provas e a capacidade de integrar o conhecimento médico com o arcabouço legal e ético. A possibilidade de recurso ao Conselho Federal de Medicina (CFM) oferece uma via de revisão, mas sua efetividade depende diretamente da solidez da defesa construída nas instâncias inferiores.


Em um cenário onde a judicialização da medicina e a fiscalização dos conselhos se intensificam, o preparo ético e estratégico torna-se um diferencial para o médico. Isso implica não apenas na observância rigorosa do Código de Ética Médica e das normas regulatórias, mas também na capacidade de documentar adequadamente a prática profissional, de comunicar-se de forma clara e empática com pacientes e colegas, e de buscar apoio especializado quando diante de qualquer questionamento ético- disciplinar. A preservação da atividade médica, da reputação e da tranquilidade profissional passa, invariavelmente, pela compreensão e pelo respeito aos ritos e exigências do Processo Ético-Profissional, garantindo que a dedicação à saúde e ao bem-estar dos pacientes seja sempre o foco principal, sem descurar da proteção de sua própria trajetória profissional.



Ricardo Stival é Advogado, Professor de Pós-Graduação de Direito Médico,  Especialista em Ações Judiciais de Erro Médico, Sindicâncias e Processos Éticos no CRM e CRO, com atuação em todo o Brasil
Ricardo Stival - Advogado de Direito Médico

Ricardo Stival - Advogado e Professor de Direito Médico

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